Por que a PRF quer esconder o rosto?
Depois das chacinas da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro,e de Varginha (MG), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) volta a ser assunto na Ponte. Máscaras de R$ 15 mil. Isso mesmo, , a PRF abriu um edital de licitação para comprar 150 máscaras no valor estimado de R$ 15 mil cada. Somado a isso – e mais grave – é o fato de que o equipamento descrito no edital oculta o rosto do agente que está usando, o que impede seu reconhecimento facial. A fabricante, de acordo com nossa reportagem, alega que isso oferece “vantagem psicológica em cenário de ameaça”. Já a PRF afirma que só quer proteger seus agentes de gases e raios solares.
A análise do pesquisador Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM-SP, aponta com precisão que é um equipamento que pode dar margem a uma atuação anônima. E que também demonstra a militarização de mais uma corporação de agentes de segurança no Brasil. A Ponte vem denunciando há algum tempo que as GCM estão cada vez mais se tornando polícias municipais. A PRF parece ir pelo mesmo caminho, como uma polícia ostensiva federal.
Com uma olhada no site da fabricante do modelo de máscara apontado pelo edital, é possível ver que o equipamento fornece proteção contra “ameaças químicas, biológicas, radiológicas e nucleares, agentes de choque, produtos químicos industriais tóxicos e materiais industriais tóxicos”.
Um caso famoso de uso de gás envolvendo a PRF foi o de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe. Era maio de 2022. Na ocasião, entretanto, os agentes é que foram os responsáveis por usar a substância que matou Genivaldo dentro de uma viatura – transformada numa espécie de câmara de gás ambulante, diante de várias testemunhas. À época, a PRF disse que os agentes usaram armas menos letais para contê-lo durante abordagem. (Pode imaginar quais seriam as mais letais?)
Em dezembro de 2022, a Ponte trouxe denúncias que responsabilizavam a PRF por cometer outras violações na cidade de Umbaúba, onde Genivaldo morava. “Tem uns meninos aqui que têm mancha no rosto, pelo corpo, porque eles pisaram de pé, na mesma semana que mataram Genivaldo”, contou um morador. “Eles perseguiram uma moça dentro da cidade, ela estava com a moto da irmã. Meteram o pé e quando chegou perto, bateram a moto deles na moto da menina, ela caiu na calçada, a moto caiu por cima dela e ela quebrou o fêmur”, relembra outra testemunha.
Em outubro de 2022, contamos a atuação da corporação na morte de Lorenzo Dias Palhinhas, adolescente negro de 14 anos, no Complexo do Chapadão, na zona norte do Rio. O jovem, que fazia entrega de lanches para apoiar o orçamento da família, teve sua mochila revistada por policiais rodoviários e foi liberado. Instantes depois, foi chamado de volta e, novamente, revistado. Ao supostamente ser liberado mais uma vez, foi alvejado com um tiro na cabeça.
À época, a Ponte destacou que “as matanças pela PRF vêm se tornando cada vez mais comuns durante o governo Bolsonaro”. Em março do mesmo ano, durante operação conjunta com o Bope, seis pessoas foram mortas. E quem não se lembra da atuação da PRF para cercear o direito a voto de milhares de pessoas em todo o país ao bloquear estradas? Em outubro de 2022, a PRF realizou mais de 500 operações relacionadas ao transporte de eleitores, mais de 2 mil ônibus com eleitores foram parados no Nordeste em bloqueios da PRF. De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), a PRF, sob o comando de Silvinei Vasques, fora instrumentalizada para ajudar na ruptura institucional. O caso está em julgamento no STF.
Em entrevista à Ponte, o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani, explicou que a PRF “é uma polícia criada, basicamente, para cuidar das rodovias federais e fazer um trabalho de prevenção e repressão destinado a um olhar tanto para segurança viária, a questão de cumprimento do Código de Trânsito, evitar acidentes, fiscalizar motoristas, mas também a crimes relacionados à malha viária, [como] roubo de carga, contrabando, tráfico, esse tipo de atividade”.
Mas, pelo que demonstramos aqui, a corporação tem extrapolado suas funções, além de ter sido usada como máquina eleitoral pelo bolsonarismo mais de uma vez. A máscara de uso militar pode ser mais um sintoma da caminhada para a militarização de outro grupo de segurança pública. O Brasil parece querer militarizar cada aspecto da vida pública e reforçar um estado policial vigilante e violento que não tem combatido crimes, mas, sim, corpos negros e indígenas, periféricos e pobres.
Jéssica Santos. Editora de Relacionamento.
Matéria Publicada pelo Portal PONTE JORNALISMO em 02/08/2025
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