Rodrigo quase morreu por conta de R$ 5,20
As imagens do pintor Rodrigo Santos Silva sem ar e convulsionando ainda estão na minha mente. E tudo isso por causa de uma passagem que custa o que, na capital, uns R$ 5, R$ 6? Rodrigo foi agredido por agentes de “segurança” do Metrô e policiais militares na semana passada por usar o cartão de Bilhete Único de seu sogro. Acusaram-no de roubo sem provas, mas nem mesmo os PMs o levaram a uma delegacia para abrir B.O.
No vídeo publicado essa semana pela Ponte, vemos Rodrigo se debatendo no chão da plataforma da estação, pois alguém que acompanhou a agressão pagou a passagem dele. Como se não bastasse a agressão, durante o trajeto até o hospital, um agente do Metrô teria dito: “Você sabe que vai morrer, né?”. Aos profissionais de saúde, foi dito que Rodrigo estava assim por causa de uso de cocaína. Não foi mencionado que ele fora atingido por spray de pimenta.
O crime de Rodrigo foi ser pobre. Se ele estivesse lavando dinheiro para o PCC na Faria Lima, pagasse propina para obter benefícios fiscais com dinheiro público ou ainda participasse de uma tentativa de golpe de Estado, talvez fosse preso sim, mas não seria agredido, humilhado. Não seria chamado de ladrão, mas de “senhor”, “doutor”, “excelência”. Teria o benefício de uma tornozeleira e prisão domiciliar e, se ficasse preso, a fiança de R$ 25 milhões teria sido considerada excessiva pela Justiça (mesmo que a empresa que representa tendo uma receita líquida de R$ 3,6 bilhões e um lucro de R$ 82 milhões em 2023). Nunca teria dito: “Eu pensei que não ia sair vivo, que ia não mais ver os meus filhos.”
Mas Rodrigo é um trabalhador que estava voltando para casa em Guaianases, no extremo-leste de São Paulo, para encontrar a esposa e os seis filhos. A agressão lhe custou três dias sem trabalhar, pois, em dois desses, não conseguia enxergar. E três dias para um trabalhador custa caro no final do mês. “Tem muita gente que diz: ‘Aconteceu isso, e quer se fazer de coitado’. Mas, sem trabalhar esses três dias, se eu falar para você que não estou passando aperto, eu estou mentindo”, disse à nossa reportagem.
Adilson Paes de Souza, que é tenente-coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) e pós-doutor em psicologia social pela Universidade de São Paulo (USP), nos disse na reportagem que fizemos sobre o “bunker do PCC” na Faria Lima, foi didático em sua colocação: “Ninguém chegou em prédios da Faria Lima derrubando portas, jogando bomba. E nunca fariam isso, porque entendem, entre aspas, que lá está um outro tipo de cidadão. Então, existe uma seletividade, uma narrativa na tentativa de justificar ações truculentas e letais em determinados territórios”. E é essa a seletividade que foi aplicada à Rodrigo no metrô Belém, morador de periferia de SP.
“A própria extrema-direita trabalha muito com essa ideia de que policiamento seria a atuação em territórios vistos como violentos, onde moram pessoas que devem ser colocadas como suspeitas”, acrescentou o pesquisador, jornalista e cofundador da Ponte, Bruno Paes Manso.
Na reportagem da minha colega, a repórter Catarina Duarte, que analisou os dados de julho da letalidade policial em São Paulo, o coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, tocou na mesma questão estrutural. “A forma como o policial usa uma arma de fogo na periferia contra o jovem negro é muito diferente de quando aborda um jovem no centro expandido de São Paulo.”
E você não verá protesto na frente da Estação Belém do Metrô de São Paulo nem roda de oração para pedir o cartão do sogro de Rodrigo de volta. A Avenida Paulista não se encherá em verde, amarelo, azul e vermelho com estrelas brancas, pedindo justiça para ele. Não haverá mobilização no Congresso pedindo alguma sorte de mecanismo que o anistie pela injustiça sofrida. Não haverá cobertura ao vivo, nem hashtags.
À direita e à esquerda, a segurança pública no Brasil segue o mesmo credo: aos pobres, violência e morte; aos ricos, esses vencedores incólumes, citando o Bruxo do Cosme Velho, as batatas.
Jessica Santos
Editora de Relacionamento de PONTE JORNALISMO
Matéria Publicada em 06/09/2025
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