“SOU ANTI!”

NÃO ME PERGUNTE, PORQUE AMO OS ANIMAIS? SE FINGIR NÃO SABER OS MOTIVOS, ME PERGUNTE PORQUE ODEIO OS HUMANOS! - SOU ANTI, SOU UM SER RACIONAL PENSANTE E LIVRE, POR ISSO SOU ANTI, SOU ANTI SISTEMA DOMINANTE, SOU ANTI ESTADO E SUAS LEIS SOU ANTI INSTITUIÇÕES OFICIAIS, SOU ANTI PATRIOTISMO E NACIONALISMO, POIS SÓ SERVEM PARA EXALTAR UMA PSEUDA PÁTRIA SUA, SOU ANTI POLÍTICA PARTIDÁRIA E O CÂNCER QUE ESSA REPRESENTA, SOU ANTI O VOTO POLÍTICO PARTIDÁRIO E A FARSA DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA QUE ELE “VENDE” SOU ANTI A FARSA QUE É A TAL DA DEMOCRACIA ENQUANTO REGIME, PELAS FALÁCIAS QUE “VENDE” E POR REPRESENTAR UM GOVERNO. SOU ANTI CRENÇAS DE FÉ RELIGIOSAS SEU DEUS ASSIM COMO AS MÍSTICAS, SOU ANTI CONCEITOS FALSOS DE VALORES, SOU ANTI SOCIEDADE E SUAS AMARRAS OU “CABRESTOS” MORAL, QUASE SEMPRE FALSO MORALISTA, SOU ANTI POLÍCIA E TUDO QUE ESSA REPRESENTA, OPRESSÃO, COVARDIA, DISCRIMINAÇÃO, PERSEGUIÇÃO ETC, SOU TOTALMENTE ANTI MODISMOS. SOU ANTI! POIS SOU UM SER RACIONAL MAS PENSANTE!!! - A FARSA DA VIDA - "FARSA, A VIDA É UMA GRANDE FARSA, MAS QUEM DISSE QUE NÃO É, COMO NEGAR! SIMPLES SENDO MAIS UM FARSANTE."

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

REFUTANDO A DEMOCRACIA

Bob Black

Mestre em jurisprudência e política social pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em justiça criminal na Universidade de Albany, em SUNY, e LL.M em direito penal pela University at Buffalo Law School. Formado na Universidade de Michigan e na Georgetown Law School (Washington D.C.)

Pela primeira vez na história, “quase todos hoje professam ser democratas” (HELD, 1996; MACHAN, 2002, cap. “Introduction: The Democratic Ideal”). 

Os professores universitários professam a democracia profusamente, apesar de mantê-la fora do campus. Democracia – realmente, “essa palavra pode significar qualquer coisa” (Ellul, 1967: 181). Mesmo a Coreia do Norte se autoproclama uma República Popular Democrática. 

A democracia vai bem com tudo. Para os defensores do capitalismo, a democracia é inseparável do capitalismo. Para os defensores do socialismo, a democracia é inseparável do socialismo. É até mesmo dito ser inseparável a democracia do anarquismo (Graeber apud Black, 2009). É identificada com o bem, o verdadeiro e o belo. Há um sabor da democracia para todos os gostos: democracia constitucional, democracia liberal, social-democracia, democracia-cristã e até democracia industrial. 

Os poetas (reconhecidamente, não muitos) cantaram hinos em sua glória. E, no entanto, a suspeita esconde isso, como pareceu a outro poeta, Oscar Wilde, “a democracia significa simplesmente o golpe do povo, pelo povo e para o povo. Assim se descobriu” (Wilde, 1969: 294). Foi descoberta, e considerada infundada.

Até o século XX havia poucas democracias. Até o século XIX, a sabedoria das eras foi unânime em condenar a democracia. 

Todos os sábios da Grécia antiga.

1 Tradução do texto “Debunking Democracy”, publicado originalmente em abril de 2011. O texto que serve de base para esta tradução foi escaneado do CAL Press Pamphlet Series #2 e disponibilizado com copyleft pelo site theanarchistlibrary.org. Tradução de Lucas Lemos Walmrath, mestrando do PPGSA da UFRJ.

2 Robert Charles Black Jr. (nascido em 4 de janeiro de 1951) é um anarquista americano. Ele é o autor dos livros A Abolição do Trabalho e Outros Ensaios, Beneath the Underground, Friendly Fire, Anarchy After Leftism, Defacing the Currency e numerosos ensaios políticos. O autor se formou na Universidade de Michigan e na Georgetown Law School (Washington D.C.). Possui também mestrado em jurisprudência e política social pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em justiça criminal na Universidade de Albany, em SUNY, e LL.M em direito penal pela University at Buffalo Law School (WIKIPEDIA CONTRIBUTORS, 2018, tradução própria).

3 “Democracia é feita idêntica à liberdade intelectual, à justiça econômica, ao bem-estar social, à tolerância, à piedade, à integridade moral, à dignidade do homem e a decência civilizada geral” (Nisbet, 1962, p. 248).

2 denunciaram, especialmente os sábios da Atenas democrática (Barker, 1959: 13; Finley, 1985: 5-29; Held, 2006: 80). Como Hegel escreveu:

Aqueles antigos que, como membros das democracias desde sua juventude, haviam acumulado uma longa experiência e refletido profundamente sobre isso, detinham diferentes pontos de vista sobre a opinião popular do que as visões mais a priori prevalecem hoje (Hegel, 1999, p. 235)

Os Framers  da Constituição dos Estados Unidos rejeitaram a democracia(Bailyn, 1967; Wood, 1972: 222–223; 409–413)5, assim como os seus opositores, os antifederalistas (Storing, 1981: 29). A democracia que fora até então desprezada universalmente é a que agora é chamada de democracia direta, governo do povo sobre o povo. “Povo”, em “pelo povo”, significava os cidadãos: uma minoria constituída por alguns homens adultos. “Povo”, em “sobre o povo”, significava todo restante da população. Os cidadãos reuniam-se em intervalos de tempo para exercer o poder do Estado pela regra de maioria de votos. Este sistema já não existe em qualquer lugar, e isso facilita acreditar nele, como Hegel observara.

A democracia só se tornou respeitável, no século XIX, quando seu significado mudou. Agora significava democracia representativa, na qual a cidadania – agora um eleitorado, mas ainda uma minoria – de vez em quando escolhia alguns de seus governantes por maioria de votos (ou melhor, pela maioria dos que efetivamente votam – o que não é o mesmo). Os governantes eleitos nomeiam o resto dos governantes. Como sempre, alguns governam, e todos são governados. 

No século XIX, quando este sistema prevaleceu em apenas algumas nações, adquiriu alguns defensores intelectualmente capazes, como John Stuart Mill; mas também provocou alguns adversários intelectualmente capazes, como Herbert Spencer, Pierre-Joseph Proudhon e Friedrich Nietzsche. A democracia, como uma das ideologias políticas ascendentes da época, acomodou-se a outras: ao liberalismo, ao nacionalismo, ao socialismo e até mesmo ao cristianismo. Elas, por sua vez, geralmente acomodaram-na. O que parecia improvável, estas doutrinas geralmente se legitimaram mutuamente.

4 N.T.: Termo em inglês para designar os “Cinquenta e cinco delegados que participaram de sessões da Convenção Constitucional e são considerados os autores da Constituição, embora apenas 39 delegados tenham realmente assinado” (Wikipedia Contributors, 2019, tradução própria).

5 Veja, e.g, The Federalist (Madison, 1961); The Records of the Federal Convention of 1787 (United States Constitutional Convention, 1911, p. 26–27, Edmund Randolph; 48, Elbridge Gerry; 49, George Mason;288, Alexander Hamilton). Randolph culpou os problemas da América com “a turbulência e as loucuras da democracia” (Ibid. 1911, p. 51).

A dita popularidade da democracia é seguramente exagerada. É uma milha de largura e uma polegada de profundidade. A aversão a regimes autoritários não é necessariamente um entusiasmo pela democracia. Em algumas das democracias pós- comunistas, a democracia já perdeu o seu charme (Dahrendorf, 2005: 168). Em outras, como a Rússia, a própria democracia já está perdida. As democracias mais antigas persistem mais de apatia e da força do hábito do que de convicção genuína. John Zerzan pergunta, razoavelmente: “Alguma vez houve uma importância muito incessante sobre a democracia, e menos interesse real nela?” (Zerzan, 2002: 204). Bem, teve?

A ideia de democracia nunca foi justificada, apenas meramente glorificada. Nenhuma das críticas mais antigas da democracia foi refutada, e mesmo nenhuma das mais novas também foram. Elas vêm da esquerda, da direita e do centro. Algumas dessas críticas se seguem. Elas estabelecem que a democracia é irracional, ineficiente, injusta e antitética aos próprios valores reivindicados: liberdade, igualdade e fraternidade. Nem mesmo, por exemplo, implica liberdade (Russel, 1996: 24; Stephen, 1991: 168). Em vez disso, a tendência instintiva da democracia é “desprezar os direitos individuais e tomar pouco conhecimento deles” (De Tocqueville, 1969: 699). A democracia não só subverte a comunidade: insulta a dignidade e aflige o senso comum. Nem todos esses valores violados são importantes para todos, mas alguns deles são importantes para qualquer um, exceto para alguém a quem nada é importante. É por isso que os pós-modernistas são democratas.

Nos últimos anos, alguns intelectuais (acadêmicos e antigos radicais) tentaram reviver a democracia direta como um ideal e configurá-la como uma alternativa viável para a democracia representativa. Seus esforços extenuantes interessam apenas a eles mesmos. Os seus esforços falham, pelo menos, por dois motivos. O primeiro motivo é que, de fato, não há motivos para acreditar que tenha havido uma democracia urbana puramente direta ou mesmo uma aproximação razoável de uma. Toda instância conhecida envolveu uma mistura considerável de democracia representativa que, mais cedo ou mais tarde, geralmente subordinava a democracia [direta], onde aquela não eliminava esta completamente(Black, 1997: 71)

Não há espaço para provar isso aqui, mas a evidência é ampla (Black, 2010, cap. 14 e 15).

A democracia direta é meramente um ideal abstrato, uma fantasia, de fato, sem base na experiência histórica. De acordo com Jean-Jacques Rousseau, que é falsamente reivindicado como defensor da democracia direta, “por menor que seja qualquer Estado, as sociedades civis são sempre muito populosas para estar sob o governo imediato de todos os seus membros” (Rousseau, 1950a: 313). O segundo motivo é que as principais objeções à democracia representativa também se aplicam à democracia direta, mesmo que esta seja considerada como uma forma ideal de democracia majoritária pura. Algumas objeções se aplicam a uma versão, algumas à outra, mas a maioria se aplica a ambas. Há mais do que razões suficientes para rejeitar todas as versões da democracia. Deixe-nos, então, considerar algumas dessas objeções.

Objeções à Democracia

A maioria nem sempre está certa. Como (entre muitos outros) Pierre-Joseph Proudhon, Henry David Thoreau, Mikhail Bakunin, Benjamin Tucker, Errico Malatesta e Emma Goldman disseram – e alguém discorda? - “a democracia não garante decisões corretas. A única coisa especial sobre as maiorias é que elas não são minorias” (Lomasky, 2002: 3). Não há força em números, ou melhor, não há nada além de força em números. Partidos, famílias, corporações, sindicatos: quase todas as associações voluntárias são, por opção, oligárquicas (Kerr, 1957: 12)6. De fato, em assembleias diretas ou representativas, eleitorais ou legislativas, o todo é menos – menos mesmo – que a soma de suas partes. É até mesmo matematicamente demonstrável (mas não por mim) que a tomada de decisão majoritária gera decisões ineficazes, socialmente desperdiçadoras e mais ou menos autodestrutivas (Buchanan; Tullock, 1962: 169; Mcconnell, 1966: 120–127; Spitz, 1982: 153; Taylor, Michael, 1982: 54–55). Além disso, depois disso tudo, por que você deveria, ou, por que alguém deveria, aceitar uma decisão que você sabe que é errada? Certamente, a qualidade das decisões na democracia tem algo a ver com a qualidade do processo de tomada de decisão desta.

Da mesma forma, a democracia na Suíça é a mais participativa do mundo, mas os suíços não são “particularmente participativos na vida econômica e social” (Linder, 2010: 127).

A democracia não dá a todos, como prometido, o direito de influenciar as decisões que os afetam, porque uma pessoa que votou no lado perdedor não terá influência nas decisões posteriores. Como Henry David Thoreau escreveu, “uma minoria é impotente enquanto está em conformidade com a maioria; não é mesmo uma minoria, então” (Thoreau, 1960:231). E é, de fato, impotente: não é nada. Thomas Hobbes antecipou Thoreau:E se o Representante consistir em muitos homens, a voz do maior número deve ser considerada como a voz de todos. Pois, se o número menor pronunciar (por exemplo) na Afirmativa, e o maior na Negativa, haverá Negativas mais do que suficientes para destruir as Afirmativas; e, portanto, o excesso de Negativas, sem contradição, é a única voz que o Representante tem. (Hobbes, 1968: 221).

“A maioria numérica”, escreveu John C. Calhoun, “é tão verdadeiramente um único poder – e exclui os contrários tanto quanto o governo absoluto de um ou poucos.”(Calhoun, 1953: 29).

A democracia, especialmente nos pequenos círculos eleitorais, presta-se à destituição de minorias permanentes, que ocupam a mesma posição na democracia que ocupariam sob o despotismo. Não é sempre a mesma maioria momentânea que rege o governo, mas muitas vezes o é, e as maiorias em mudança só tornam menos provável, não improvável, que algum grupo seja sempre oponente à gangue vencedora (Steiner, 2001; Spitz, 1982: 183).

Sob a democracia americana há muito tempo é sabido, mesmo para o Supremo Tribunal dos EUA em 1938, que as “minorias discretas e insulares” estão em desvantagem política além do mero fato (que é uma desvantagem suficiente) de serem minorias (“United Statesv. Carolene Products Company”, 1938). E quanto menor o círculo eleitoral, mais provável é que muitos interesses possam ser representados “por números tão pequenos que são menores do que o mínimo necessário para a defesa desses interesses em qualquer ambiente” (Mcconnell, 1966, p. 109).

A regra da maioria ignora a urgência das preferências. As preferências variam em intensidade, mas o consentimento não. A preferência é mais ou menos, o consentimento é sim ou não. O voto de uma pessoa que tem apenas uma pequena preferência por um candidato ou medida conta o mesmo que o voto de alguém apaixonadamente oposto, e assim: “Uma maioria com preferências ligeiras de uma maneira pode ultrapassar quase tantas preferências fortes do outro lado”. Poderia até haver, como acabamos de observar, uma minoria permanentemente frustrada, que é uma fonte de instabilidade, ou mesmo a opressão. Por outras palavras, a oportunidade de influenciar uma decisão não é proporcional ao interesse legítimo de uma pessoa pelo resultado (Buchanan; Tullock, 1962: 125–127, 132–133; Burnheim, 1985: 83; Dahl, 1956: 91–99, 1982: 88–89; Waldron, 1999: 132; 142–143).

Os teóricos da democracia geralmente ignoram o problema ou, como John Rawls, o acenam dogmatizando que “essa crítica baseia-se na visão equivocada de que a intensidade do desejo é uma consideração relevante na promulgação da legislação”(Rawls, 1999: 230). Mas, por mais embaraçoso que seja para os democratas, “a questão da intensidade é absolutamente vital para a estabilidade dos sistemas democráticos” - e é uma questão para a qual a pura democracia majoritária não tem resposta (Barbear, 1988: 79; Kendall; Carey, 1968). Rousseau pelo menos reconheceu o problema, embora sua solução seja impraticável. Ele pensou que “quanto mais graves e importantes forem as questões discutidas, mais perto a opinião que deve prevalecer abordar a unanimidade”(Rousseau, 1950b: 107). Mas não há como decidir a priori a importância de uma questão.

Primeiro você deve decidir o quão importante é a questão, e a maioria pode muito bem governar uma questão para ser sem importância para se certificar de que a questão será respondida como a maioria deseja. Não existem regras de votação democráticas autoevidentes. Maioria ou pluralidade? Delegação de representatividade? Quóruns? Supermaiorias (De três quintos? Dois terços?) necessárias para todas, algumas ou nenhuma das decisões? Quem define a agenda? Os movimentos de base serão entretidos? Quem decide quem fala, por quanto tempo e quem obtém a primeira ou a última palavra? Quem agendaria as reuniões? Quem aponta isso? E quem decide, e por que regras, as respostas a todas essas questões? “Se os participantes não concordarem com as regras de votação, eles podem primeiro votar essas regras. Mas eles podem discordar sobre como

 N.T.: Tradução livre do termo em inglês proxy voting. Segundo a Wikipedia, “é uma forma de votação em que um membro de um órgão de decisão pode delegar seu poder de voto a um representante, para permitir uma votação na sua ausência. O representante pode ser outro membro do mesmo corpo ou externo.

Uma pessoa assim designada é chamada de “proxy” e a pessoa que a designa é chamada de “principal””(“Proxy voting”, 2019).

votar as regras de votação, o que pode tornar a votação impossível, pois a decisão sobre como votar é adiada para mais adiante” (Steiner, 2001: 130).

Uma votação coletiva, de tudo ou nada, é irracional Uma decisão tomada sobre uma questão importante por um único voto é tão válida como uma votação unânime sobre alguma frivolidade. Essa extrema raridade, a única vez que um voto, a vontade de uma pessoa, faz a diferença, é a mesma situação – monarquia, ditadura, governo de um homem só – da qual a democracia deveria ser uma solução melhor! Em todos os outros momentos, de todos os votos para o lado vencedor, apenas um é decisivo, então os votos de todos, exceto um dos vencedores, com os votos de todos os perdedores, também não poderiam ter sido computados.

A regra da maioria não é nem mesmo o que se pretende: raramente significa literalmente a maioria das pessoas (Spitz, 1982: 3) Muitas pessoas (como crianças, estrangeiros, lunáticos, sem-teto e criminosos) em todos os cantos têm negado seu direito de voto. Os privados dos direitos nunca são muito menos do que a maioria, e às vezes são a maioria. E uma vez que raramente acontece que cada um dos eleitores elegíveis vota todas as vezes, geralmente a maioria resultante de uma maioria significa pluralismo (Barclay, 1982: 118; Linder, 2010: 110; Mill, 1951:346–347), em outras palavras, a regra da minoria momentaneamente maior, que pode ser bastante pequena. A maioria da maioria é muitas vezes uma minoria, e a maioria de uma minoria é sempre uma minoria. A fim de englobar as maiorias de assembleias incoerentes, os líderes costumam exercer um poder literalmente decisivo.

Sob qualquer governo possível, uma minoria governa. Seja votando por distritos eleitorais ou em assembleias populares, as decisões são arbitrárias porque os limites dos distritos determinam a composição de seus eleitores, o que determina as decisões. Em uma democracia, “a definição do círculo eleitoral em que a contagem é tomada é uma questão de importância primordial”, mas a teoria democrática é incapaz de dizer - “A necessidade desses líderes é evidente, pois, sob o nome de chefes de grupos, eles são recebidos nas assembleias de todos os países. Eles são os reais governantes de uma assembleia” (Bon, 1960: 189).

quem deve ser incluído em um eleitorado (Cain, 1984: 36–37; Dahl, 1982: 97–99;Mcconnell, 1966: 92 citado; Taylor, Peter J.; Gudgin; Johnson, 1986: 183–184). Redesenhe os limites e a maioria se torna uma minoria ou vice-versa, embora ninguém tenha mudado de ideia. Os políticos que desenham e redesenham os limites entendem isso muito bem.

Depois, há o paradoxo do eleitor, uma contradição técnica (mas muito real) da democracia descoberta por Condorcet antes da Revolução Francesa

Em cada situação em que dois ou mais eleitores escolham entre três ou mais alternativas, se os eleitores escolherem consistentemente, a preferência majoritária pode ser determinada unicamente pela ordem em que as alternativas são votadas. Pode acontecer que A seja preferido em relação a B, e B seja preferido em relação a C, mas C é preferido pela maioria em relação a A (Arrow, 1963: 2–3, 94–95; Condorcet, 1994:120–130)! Esta não é uma mera possibilidade teórica: aconteceu em votos reais.

Há, na verdade, vários desses paradoxos de votação. Sob condições ideais, a regra da maioria quase sempre produz essas ordens de preferência cíclicas. Por esta e outras razões, as várias condições de equilíbrio para a regra da maioria são incompatíveis mesmo com um grau muito modesto de heterogeneidade de preferências e, na maioria dos casos, não são significativamente menos restritivas do que a condição extrema da unanimidade completa das preferências individuais (Fishburn, 1974, para mais cinco paradoxos;Kramer, 1973: 285 citado; Nurmi, 1999; Riker; Weingast, 1988, para exemplos da vida real de maiorias cíclicas perpétuas).

O que isso significa é que quem controla a agenda política controla o voto ou, pelo menos, “que fazer agendas parece tão importante como realmente passar a legislação”(Riker, 1993: 1, citado; Shapiro, 1990: 97). É conveniente que um matemático do século XIX, que escreveu sobre esse fenômeno (o qual ele chamou de “maiorias cíclicas”), seja mais conhecido por seu pseudônimo10, Lewis Carroll (Arrow, 1963: 94; Dodgson, 2001:46–58; Wolff, Robert Paul, 1970: 59–63). Ele sentiu o absurdo com honestidade.

A única razão pela qual as ordens de preferência cíclicas não são mais comuns na vida real é a influência de outras práticas antidemocráticas, como o logrolling (ver abaixo).

 N.T.: Bob Black faz referência aqui a Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson(Daresbury, 27 de janeiro de 1832 — Guildford, 14 de Janeiro de 1898). Foi “um romancista, contista, fabulista, poeta, desenhista, fotógrafo, matemático e reverendo anglicano britânico. Lecionava matemática no Christ College, em Oxford. É autor do clássico livro Alice no País das Maravilhas, além de outros poemas escritos em estilo nonsense ao longo de sua carreira literária, que são considerados políticos.

Outro método bem conhecido para frustrar a regra da maioria com a votação é a troca de favores políticos Logrolling é uma troca de votos entre facções. Cada grupo vota para a medida do outro grupo, uma medida que de outra forma seria derrotada porque cada grupo faz parte da minoria. (Observe que isso não é um compromisso porque as medidas não estão relacionadas (Buchanan; Tullock, 1962: 132–133; Burnheim, 1985: 6; Mcconnell, 1966:111–112). As facções não estão dividindo a diferença). Em certo sentido, a troca de favores facilita algum alojamento da urgência das preferências, uma vez que uma facção só troca seus votos por votos que ele mais valoriza – mas o faz por suborno e em detrimento da democracia deliberativa. Nenhuma maioria realmente aprova qualquer medida promulgada por troca de favores, uma vez que, se assim o fosse, não haveria necessidade da troca. E aqueles cujos votos são desnecessários podem ser excluídos do processo da troca de favores (Gillette, 1987: 959; Noonan, 1984: 580)11. A prática é comum às democracias representativas e diretas.

No caso improvável de um corpo legislativo evitar a troca de favores, ele pode sucumbir a uma paralisia do governo. Considere uma questão política típica, como a construção de uma rodovia (uma usina de energia ou um depósito de lixo podem ser exemplos ainda melhores). Todo mundo quer uma estrada, mas ninguém a quer em seu quintal. Se três grupos quiserem uma estrada – mas não em seus quintais, obrigado – eles vão se orgulhar de tocar o projeto função das fusões e da disposição espacial das palavras, como precursores da poesia de vanguarda.” (“Lewis Carroll”, 2018). 11 

Na Itália do século XII, Gênova e Pistoia proibiram o logrolling nas eleições consulares (MARTINES, 1979, p. 29). Tais leis são em vão: “As leis contra o logrolling (provavelmente passadas em parte por meio do logrolling) não afetam substancialmente o funcionamento da democracia nos países que as adotaram”(TULLOCK, 1976, p. 41). Eles só convidam sigilo e hipocrisia. A maioria de dois terços dos estados para a adoção da Décima Terceira Emenda à Constituição dos EUA, abolindo a escravidão, foi obtida por meio de logrolling (NOONAN, 1984, p. 456–458). Veja, e.g., Tullock (1976, p. 45–46). Os referendos, outra expressão da democracia direta, proporcionam “o exemplo mais querido” do “logrolling”, colocando em um único voto medidas não-relacionadas agrupadas para apelar à maioria. (Ibid. 1976, p. 48–49). Algumas constituições estaduais tentam proibir a inclusão de mais de um assunto em cada proposta de votação. Essas disposições são notoriamente ineficazes. Elas também são antidemocráticas, porque o judiciário é o árbitro final. Em um sistema político sem freios e contrapesos, a democracia é tirania. Mas um sistema político com freios e contrapesos não é uma democracia.

[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019

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(Rescher, 1999). A estrada que todos querem em algum lugar não será construída em

qualquer lugar. Isso é um resultado ainda pior do que com a troca de favores, onde pelo

menos a estrada é construída em algum lugar, e pode ser útil para alguém. Não é fácil

dizer o que é pior, uma democracia que não governa, ou uma democracia que governa,

de fato.

A democracia, especialmente a democracia direta, promove sentimentos

desarmoniosos e anti-sociais

A psicologia da ekklesia (assembleia) é a psicologia da ágora (feira13): “Os

eleitores e os clientes são essencialmente as mesmas pessoas. O Sr. Smith compra e vota;

ele é o mesmo homem no supermercado e na cabine de votação” (Tullock, 1976: 5)14. O

capitalismo e a democracia passaram a dominar como objetivos da mesma classe, a

burguesia. Juntos, eles fizeram um mundo comum de individualismo egoísta - uma arena

de competição, não um campo de cooperação. A democracia, como litígio, é um método

de decisão conflituoso: “A regra da maioria pertence a uma teoria do combate na política.

É uma disputa entre as forças opostas, e o resultado é a vitória de um lado e a derrota para

o outro”. Na verdade, como observou Georg Simmel, a regra da maioria é realmente a

equivalente substituta da força (Simmel, 1950: 241–242). “Aceitamos tentar a força

contando cabeças em vez de quebrar as cabeças. A minoria cede não porque está

convencida de que é errada, mas porque está convencida de que é uma minoria” (Stephen,

1991: 70). Ter que enfrentar, literalmente, um adversário publicamente pode provocar

agressões, raiva e sentimentos competitivos (Mansbridge, 1980: 273; Spitz, 1982: 192)15

.

Em um sistema onde o vencedor leva tudo, não há incentivo para compensar ou

conciliar minorias derrotadas, que foram informadas, de fato, que não só eles não devem

13 N.T.: Bob Black usa originalmente o termo marketplace, que escolhi traduzir como “feira” para

distinguir do sentido de “mercado” em termos estritamente econômicos, fazendo, assim, mais jus ao

termo ágora por ele mencionado em sua alusão a nomes gregos.

14 Considerações morais à parte (onde elas pertencem), a regra da maioria com logrolling pode levar a

resultados ineficientes – o pico de eficiência exige, surpreendentemente, supermaiorias: “A regra da maioria

não é, portanto, ideal” (TULLOCK, 1976, p. 51–55, 55 citado).

15 “[…] a democracia majoritária é exclusiva, competitiva e com oposição” (“Consensus Democracy”,

2003). Mansbridge acrescenta que, por ser angustiante enfrentar uma maioria hostil, as reuniões exercem

pressão pela conformidade. Militantes altamente motivados podem apenas se desgastar e superar os outros:

“The Lower and Weaker Faction, is the firmer in Conjunction: And it is often scene, that a few, that are

Stiffe, does tire out, a greater Number, that are more Moderate” (BACON, 1985, p. 155, ensaio número

LI). Não menos importante das muitas desigualdades sérias que são inerentes à assembleia é a desigualdade

entre extrovertidos e introvertidos. O governo de assembleia desencoraja a presença do tipo de pessoa que

não gosta de estar na mesma sala com, digamos, Murray Bookchin ou Peter Staudenmeier.

[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019

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seguir seu caminho, como também são estigmatizadas como erradas. A maioria

inexplicável é arrogante; a minoria derrotada é ressentida16. O voto coercivo promove a

polarização e endurece as posições. A deliberação “pode trazer diferenças para a tona,

ampliando-as em vez de diminuí-las” (Shapiro, 2002: 198–199). Estas consequências,

silenciadas em sistemas de larga escala, com voto secreto em eleições não muito

frequentes, são acentuadas na combinação comunal imaginada de pequenos eleitorados,

eleições extremamente frequentes e votação pública. Os cidadãos levarão suas

animosidades e úlceras para casa e as demonstrarão na vida cotidiana. As eleições são

indesejáveis em todos os lugares, mas em nenhum outro lugar elas seriam mais destrutivas

para a comunidade do que em assembleias face a face e em bairros/vizinhanças.

Outra fonte de irresponsabilidade das maiorias, e indignação das minorias, é a

frivolidade sentida de votar seu elemento de chance e arbitrariedade

Como Thoreau (citado por Emma Goldman) coloca, “Toda votação é uma espécie

de jogo, como o jogo de damas ou gamão, com um leve toque moral, um jogo com certo

e errado, com questões morais; e as apostas naturalmente acompanham isso.” (Thoreau,

“Civil Disobidience”, p. 226 apud Goldman, 1972a: 60; Waldron, 1999: 126–127). A

regra da maioria é a roleta da maioria. A popularidade das assembleias estudantis e do

modelo das Nações Unidas confirma que há um elemento lúdico e envolvente na tomada

de decisão deliberativa, qual seja independente de suas consequências. Este é um interesse

que os delegados compartilham entre si, mas não com seus constituintes. A votação é uma

competição, oficialmente organizada pela maioria, algumas vezes com altas apostas. Na

medida em que os cidadãos reunidos estão jogando uns com os outros, ou que o ganhar

por si só (ou pelo modo como você joga o jogo) desempenha qualquer papel em sua

motivação, a qualidade da tomada de decisão é reduzida ainda mais, e a humilhação da

submissão ao governo da maioria é muito aprofundada.

Sob a democracia representativa com os distritos eleitorais, o desajuste – a criação

de distritos com populações desiguais – é possível e, mesmo que sejam iguais, a

16 “Ver a proposta de um homem que nós desprezamos ser preferida em lugar da nossa; ver nossa sabedoria

ignorada diante de nossos olhos; incorrer em certa inimizade em uma luta incerta pela glória vazia; odiar e

ser odiado por causa de diferenças de opinião (que não podem ser evitadas, ganhemos ou perdemos); revelar

nossos planos e desejos quando não houver necessidade e não conseguir nada com isso; negligenciar nossos

assuntos privados. Estas, eu digo, são desvantagens” (HOBBES, 1998, p. 120).

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manipulação dos limites (de um eleitorado) de modo a favorecer um partido ou

classe é quase inevitável

Os democratas modernos concordam com H.L. Mencken que “deve ficar claro

que uma comunidade cujos votos, homem a homem, contam apenas pela metade dos

votos de outra comunidade, é uma comunidade em que metade dos cidadãos é, para todas

as intenções práticas, incapacitada de votar como um todo” (Dahl, 1982: 83–84;

Mencken, 1926: 86, citado). Mesmo que, como ocorre atualmente nos Estados Unidos,

os distritos devam ser quase iguais em população, o gerrymandering17

– o desenho de

fronteiras de modo a favorecer algum candidato ou partido – é uma tentação permanente.

Especialmente desde que os encarregados fazem tal desenho. Usando a mais recente

tecnologia libertadora – o computador – é fácil conceber distritos enviesados ainda que

matematicamente iguais.

A democracia direta, tentando evitar esse mal, abraça o federalismo, este que

aumenta a desigualdade

Se a vizinhança ou as unidades básicas face a face fossem autárquicas –

autogovernadas e autossuficientes – não seria da conta de ninguém, apenas da

comunidade, quais e quantas pessoas seriam incluídas. Eles poderiam ir para o inferno à

sua própria maneira. Mas os desenhos de democracia direta tipicamente exigem um

sistema federal com camadas de delegados “obrigatórios e revogáveis, responsáveis pela

base”, pelas quais as decisões das assembleias são reconciliadas. Alguns delegados dos

níveis mais altos potencialmente falam por um diferente número de cidadãos do que

outros delegados, ainda que votem em igualdade. Em um sistema federal de unidades de

população numericamente desigual, a igualdade de votos para as unidades significa a

desigualdade de voto para os indivíduos. O sistema federalista – mas de um único membro

– de pluralidade simples, evidentemente contemplado pela maioria dos democratas

17 N.T.: Alguns conceitos não encontram uma tradução perfeita, como “Gerrymandering (palavra de

origem norte-americana) [que] é um controverso método de definir em termos de área os distritos eleitorais

de um território para obter vantagens no número de representantes políticos (geralmente parlamentares)

eleitos, em especial nos locais onde se utiliza o sistema eleitoral majoritário com voto distrital. O

gerrymandering pode também servir para favorecer ou prejudicar um determinado grupo étnico, linguístico,

religioso ou social ou político-partidário.” (“Gerrymandering”, 2019).

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diretos, incluindo os sindicalistas, é o menos proporcional de todos os sistemas de votação

(Burch, 2003).

A desigualdade será composta em todos os níveis superiores. A maioria; a maioria

da maioria; a maioria da maioria da maioria – quanto mais alto você for, maior será a

desigualdade. Quanto mais vezes você multiplicar por uma fração, menor será o número

a que você chega. “Não é possível”, diz-se, “encontrar uma resposta geral para a questão

de até que ponto o federalismo pode ser legitimamente concedido para superar a

democracia” (Linder, 2010: 84)18. Na verdade, há uma resposta geral à questão. A

resposta é não. Um defensor da democrata direta que afirma que um sistema confederado

abrangente produz decisões majoritárias afirma o impossível como um ato de fé (e.g.

Bookchin, 1999: 314).

A democracia direta, em um grau ainda maior do que a democracia representativa,

encoraja a tomada de decisão emocional e irracional19

O contexto face a face da política de assembleia engendra fortes influências

psicológicas interpessoais que são, na melhor das hipóteses, alheias à tomada de decisão

sobre os méritos. A multidão é suscetível a oradores e estrelas, e intolerante à contradição

(Michels, 1962: 64-98–102)20. Os oradores, no tempo limitado que lhes é atribuído,

tendem a sacrificar o raciocínio à persuasão sempre que têm que escolher, se quiserem

vencer. Como Hobbes escreveu, os oradores não partem de princípios verdadeiros, mas

de

opiniões comumente aceitas, que em sua maioria são geralmente falsas, e não

tentam fazer com que seu discurso corresponda à natureza das coisas, mas às

paixões dos corações dos homens. O resultado é que os votos não são feitos com

base no raciocínio correto, mas no impulso emocional (Hobbes, 1998: 123)21

.

“A democracia pura, como o puro rum, produz facilmente intoxicação e, com esta,

mil loucuras e tolices” (John Jay, citado em Jay, 1833: 315)22. Dissidentes sentem-se

18 No sistema suíço, o voto de um cidadão em Uri, um pequeno cantão rural, vale mais que os votos de 34

cidadãos em Zurique (Linder, 2010: 81).

19 “As características gerais das multidões devem ser enfrentadas nas assembleias parlamentares:

simplicidade intelectual, irritabilidade, sugestionabilidade, o exagero dos sentimentos e a influência

preponderante de alguns líderes.” (Bon, 1960: 187).

20 Para quem tem dúvidas sobre a democracia, este é o primeiro livro a se ler.

21 Ver também Freud (1959, p. 9) e Le Bon (1960: 187).

22 Jay, co-autor de The Federalist, foi o primeiro presidente do Supremo Tribunal dos EUA.

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intimidados, como estavam, por exemplo, quando a assembleia ateniense votou pela

desastrosa expedição siciliana: “O resultado desse excessivo entusiasmo da maioria era

que os poucos que realmente se opunham à expedição tinham medo de serem

considerados não patriotas se votassem contra ela e, portanto, se mantiveram calados”

(Thucydides, 1951: 425).

Uma influência emocional específica que vicia a democracia, verificada

experimentalmente, é a pressão de grupo para o conformismo

Isso foi notavelmente demonstrado em um famoso experimento do psicólogo

social Solomon Asch. Cada um dos sete a nove sujeitos que participaram do experimento

foi solicitado a comparar uma série de linhas e, em cada caso, identificar as duas linhas

que eram iguais em comprimento. Para cada comparação, era óbvio, de fato

extremamente óbvio, quais linhas combinavam – mas, vez após vez, todos os membros

do grupo davam a mesma resposta errada – exceto o único sujeito que desconhecia o real

propósito do experimento. Nestas circunstâncias, cinquenta e oito por cento dos

participantes do teste mudaram sua resposta para concordar com a maioria unânime.

Mesmo quando os participantes receberam um aliado em mesma condição, treze por cento

dos sujeitos concordaram com o grupo, em vez da evidência percebida por seus sentidos

(Asch, 1952: 458-477). Alguns dos conformados mudaram suas percepções, mas a

maioria deles simplesmente decidiu que o grupo deveria estar certo, não importando o

quão forte fosse a evidência do contrário.

Outra falha inerente à democracia direta, parcialmente (mas não inteiramente) uma

consequência da anterior, é a inconstância da política

Isso realmente cobre dois argumentos relacionados contra a democracia. O que a

assembleia faz em uma reunião pode ser desfeito em uma próxima, seja porque os

cidadãos pensaram uma segunda vez, de maneira sóbria (uma boa razão); ou porque uma

mistura diferente de pessoas aparece (uma razão ruim). Isso aconteceu muitas vezes na

Atenas clássica, a única organização política que já tentou seriamente fazer com que a

democracia direta funcionasse. Por exemplo, a assembleia votou para dar aos mitilênios23

,

23 N.T.: nome dado aos cidadãos da cidade-estado de Mitilene, à época da “democracia” ateniense, cidadãos

estes que “que haviam tentado, sem sucesso, se livrar da hegemonia ateniense, durante a Guerra do

Peloponeso” (“Mytilenian Debate”, 2018, tradução própria).

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cuja revolta havia sido esmagada, o tratamento Meliano24: morte para todos os homens,

escravidão para as mulheres e crianças. O julgamento foi revertido no dia seguinte, o

segundo navio despachado para Mitilene felizmente chegou primeiro, e assim apenas os

mitilênios, os principais responsáveis – mais de 1000 deles – foram executados (Finley,

1985: 52; Hegel, 1999: 235; Thucydides, 1951: 212–223). Melhor, é claro, reverter uma

má decisão do que cumpri-la; mas as pessoas relutam em admitir publicamente que

estavam erradas.

Já é ruim o suficiente se a composição da assembleia flutue aleatoriamente ou por

causa de fatores politicamente estranhos, já que o clima, por exemplo, influencia os

resultados das eleições estadunidenses no comparecimento dos eleitores (maiores

proporções de democratas acabam com bom tempo) (Hardin, 2003). Mas isto pode muito

bem se transformar em mobilização deliberada por uma facção. Isso também aconteceu

em Atenas. O general Nicias, dirigindo-se à assembleia em oposição à expedição siciliana

proposta, afirmou: “É com verdadeiro alarme que vejo o partido deste jovem [Alcibíades]

sentado ao seu lado nesta assembleia convocada para apoiá-lo, e eu, do meu lado, peço o

apoio dos homens mais velhos entre vocês” (Aristophanes, 1970: 256; Thucydides, 1951:

417, citado). Uma frase do dramaturgo satírico Aristófanes também atestava para

bloquear a votação na assembleia.

Hobbes observou que,

quando os votos são suficientemente próximos para que os derrotados

tenham a esperança de ganhar a maioria em uma reunião subsequente se

alguns homens se aproximarem de seu modo de pensar, seus líderes os

reúnem e fazem uma discussão particular sobre como revogar a medida

que acaba de ser aprovada. Resolvem-se entre si para participar da

próxima reunião em grande número e estar lá primeiro; eles organizam o

que cada um deve dizer e em que ordem, para que a questão possa ser

levantada novamente, e a decisão que foi tomada quando seus oponentes

estavam lá em peso possa ser revertida quando não puderem comparecer

(Hobbes, 1998: 124).

24 N.T.: referência ao Cerco de Melos, ocorrido “em 416 aC durante a Guerra do Peloponeso, uma guerra

travada entre Atenas e Esparta. Melos é uma ilha no Mar Egeu a cerca de 110 km a leste da Grécia

continental. Embora os melianos fossem do mesmo grupo étnico que os espartanos, eles escolheram

permanecer neutros na guerra. Atenas invadiu Melos em 416 aC e exigiu que os melianos se rendessem e

prestassem homenagem a Atenas ou enfrentassem a aniquilação. Os melianos recusaram, e depois de um

cerco os atenienses capturaram sua cidade, massacraram os homens e escravizaram as mulheres e crianças.”

(“Siege of Melos”, 2019, tradução própria).

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Hobbes descreve exatamente como Samuel Adams25 manipulou outra assembleia,

a assembleia da cidade de Boston, em reuniões privadas prévias de sua facção no Clube

Caucus:

Caucus envolveu a previsão mais ampla de problemas que poderiam

surgir e a escolha mais estreita de resposta a cada possibilidade; quem

falaria sobre qualquer assunto, e o que ele diria; com o consentimento

geral do clube, garantido antecipadamente, tanto para a escolha do

palestrante quanto para qual seria a mensagem do palestrante.

Seu primo John Adams ficou surpreso, depois de muitos anos participando de

reuniões na cidade, para saber disso: “Lá eles bebem flip [um drinque de rum], eu

suponho, e lá eles escolhem um moderador que coloca as perguntas à votação

regularmente, e membros do governo local, assessores, guardas, quartéis de bombeiro e

representantes são regularmente escolhidos antes de serem escolhidos pela cidade”

(Wills, 1978: 20 citado, 23 citando John Adams)26. Exatamente os mesmos métodos de

manipulação eram praticados na assembleia ateniense (Sinclair, 1998: 144–145).

A democracia direta é bem adequada para políticas mecânicas:

A poderosa reunião da cidade [em Boston] nomeou muitos funcionários

municipais, determinou impostos e avaliações e adotou projetos de

serviço público que eram uma rica fonte de empregos e generosidade

econômica. Durante anos, o Caucus original e seus aliados no Merchants

Club haviam atuado como o órgão não oficial de direção da reunião da

cidade, na qual Sam Adams, o líder do Caucus, desempenhou um papel

fundamental (Brown, 1973: 102)

Isso é democracia em ação.

O que Hobbes está falando sobre, como ele prossegue dizendo, é a facção, que ele

define como “um tipo de esforço e trabalho árduo, que eles usam para moldar as pessoas”

(Hobbes, 1998: 124). James Madison reconhecidamente argumentou que a democracia

direta promove o partidarismo (Madison, 1961: 56–57). Mas uma organização de

organizadores de votos serve a um propósito (o seu próprio) em qualquer assembleia ou

legislatura. Os partidos (o eufemismo para “facções”) poderiam desempenhar papéis

25 N.T.: “Samuel Adams (Boston, 27 de setembro de 1722 — Boston, 2 de outubro de 1803) foi um político

dos Estados Unidos, considerado um dos founding fathers de seu país. Foi governador de Massachusetts e

primo de John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos.” (“Samuel Adams”, 2016).

26 Os cidadãos de Boston recriaram a sala cheia de fumaça do Congresso Continental, onde Jefferson notou

que “[Samuel Adams] estava constantemente realizando o Caucus com homens ilustres, entre os quais

estava Richard Henry Lee, no qual a generalidade das medidas perseguidas era previamente determinada,

e em que as partes foram atribuídas aos diferentes atores que posteriormente apareceram neles” (Wills,

1978, p. 25).

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centrais em uma democracia direta, talvez papéis maiores do que na democracia

representativa.

Apenas assembleias grandes e regulares minimizariam (não eliminariam) essas

reversões caprichosas ou manipuladas, já que, se a maioria dos cidadãos comparecer a

todas as reuniões, a maioria dos participantes de uma reunião comparecerá a outra. As

possibilidades polares são que todas as mesmas pessoas, ou todas as pessoas diferentes,

assistam à próxima reunião. Se são todas as mesmas pessoas, é uma oligarquia de facto.

Se todas as pessoas são diferentes, é o caos, o único tipo de “anarquia” consistente com a

democracia direta. Geralmente, ele estará mais próximo da oligarquia.

Conclusão

A regra da maioria é tão arbitrária quanto a decisão aleatória, mas não é tão justa

(Wolff, Robert Paul, 1970: 44–45). Para um eleitor, a única diferença entre a loteria e

uma eleição é que ele pode ganhar na loteria27. Melhor a chance pura do que “democracia

pura, ou a autocracia imediata do povo”, como descreveu Joel Barlow (1983, p. 1106).

Um celebrante da democracia direta suíça em seu apogeu admite: “A corrupção, a

faccionação, a arbitrariedade, a violência, o desrespeito à lei e um conservadorismo

obstinado que se opunham a todo progresso social e econômico eram até certo ponto

patologias endêmicas da forma de vida democrática pura” (Barber, 1974: 197).

Democracia, em qualquer forma, é irracional, injusta, ineficiente, caprichosa, divisiva e

humilhante. Suas versões diretas e representativas, como vimos, compartilham muitos

vícios. Nenhuma versão exibe qualquer vantagem clara sobre a outra.

Cada uma também tem vícios peculiares. De fato, os sistemas diferem apenas em

grau. De qualquer forma, a pior tirania é a tirania da maioria, como a maioria dos

anarquistas, e alguns conservadores, e alguns liberais, e até mesmo os democratas mais

honestos, sempre disseram (e.g. Goldman, 1972b: 98)28

.

A democracia é, no entanto, a melhor forma de governo? Mesmo isso não é tão

óbvio, depois de dar uma boa olhada em quão ruim ela é. Sua teoria é redutível a ruínas

27 Assim, “o sufrágio universal é, a meu ver, nada além de uma loteria” (PROUDHON, 1923, p. 141)

28 Ver também Hoffman (1972, p. 187). A expressão é geralmente creditada a Alexis de Tocqueville (1969,

p. 250) e foi popularizada por John Stuart Mill; mas foi usada por, pelo menos, um antifederalista no debate

sobre a Ratificação (N.T.: debate sobre a ratificação ou não da Constituição dos EUA, permeado pela

clivagem entre federalistas e antifederalistas) (WOOD, 1972, p. 484). Certamente a ideia foi difundida na

época e desde então.

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em poucas páginas. Os crentes na democracia afirmam que esta promove o diálogo, mas

onde está o diálogo sobre a própria democracia? Os democratas ignoram seus críticos –

como se a democracia fosse algo dado – então por que se preocupar em defendê-la? Eles

apenas tomam como certo que alguém (Locke? Rousseau? Lincoln? Churchill?) há muito

tempo produziu um sólido argumento em favor da democracia. Ninguém nunca o fez. É

por isso que você não aprendeu na escola. Apenas lhe foi dito no que acreditar. Os

argumentos para a democracia – que muitas vezes não são articulados – são tão falhos e

frágeis, alguns até bastante tolos29, que os devotos democratas podem se assustar (e.g.

Godwin, 1976: 209–253; Sartwell, 2008: 39–96).

Agora, talvez algumas dessas críticas do governo democrático sejam realmente

críticas ao próprio governo. Isso não diminui, mas aumenta a validade das críticas. Isso

significa apenas que a democracia não é tão especial afinal, e que foi descoberta como

algo especial.

VOTE EM NINGUÉM

NINGUÉM DIZ A VERDADE

29 Por exemplo, diz-se que a residência voluntária em um país é um consentimento “tácito” para seu governo

democrático. Ame-o ou deixe-o! Inacreditavelmente, a maioria dos democratas não percebe que, se a

residência voluntária conta como consentimento para ser governado, então ela conta como consentimento

para ser governado por qualquer governo, despótico ou democrático (BRIGHOUSE, 2002, p. 56;

PLAMENATZ, 1979, p. 73-74 e cap. 4). Na antologia Democratic Theory Today, os onze colaboradores –

todos professores universitários – discutem solenemente o republicanismo cívico, a democracia do

desenvolvimento, a democracia deliberativa, a democracia associativa, etc. Nenhum deles faz uma pausa

para justificar a própria democracia.


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