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Desde 1997, o rentismo já drenou R$ 11,5 trilhões do orçamento público. No último ano, foram R$ 900 bi. Haddad abraça forte o “ajuste fiscal” e sociedade pouco debate essa parasitagem. É urgente mudança nas definições legais e institucionais que permitem este absurdo
O Banco Central (BC) divulgou no dia 31 de outubro as informações relativas ao desempenho fiscal do governo para o mês de setembro. O material oferece um conjunto amplo de dados estatísticos a respeito da situação das contas públicas do governo federal, com foco em sua dimensão monetária e financeira. A identificação do quadro mais geral apresentado pelo documento “Estatísticas Fiscais – Nota à Imprensa” reafirma a preocupação que devemos ter com as avaliações que os grandes meios de comunicação sempre reproduzem a respeito da tal da “responsabilidade fiscal”.
Os propagandistas da falácia da austeridade na grande imprensa costumam chamar a atenção para aquilo que qualificam malandramente de “gastança governamental”. No entanto, o detalhe é que eles se referem tão somente aos gastos primários. Assim, ficam de fora desta contabilidade muito peculiar, sempre tão ao agrado do povo do financismo, todas as despesas orçamentárias de natureza financeira. Esse raciocínio tautológico só fica de pé em razão de uma definição metodológica muito peculiar: os dispêndios classificados como “primários” incluem apenas as rubricas não-financeiras. Neste conjunto, portanto, estão itens como previdência social, educação, saúde, assistência social, salários de servidores, segurança pública etc. Mas ficam de fora deste cálculo todas as despesas realizadas com o pagamento de juros da dívida pública.
Esta distorção vem sendo mantida desde a década de 1980, quando houve um longo processo de crise das dívidas externas dos países do então chamado Terceiro Mundo. Deu-se um longo processo de renegociação das mesmas sob a coordenação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Tesouro dos EUA, em um período já marcado pela vigência dos primeiros traços daquilo que viria a ser chamado de Consenso de Washington. Assim, nas novas regras para as dívidas que vinham sendo reestruturadas, foi introduzida a cláusula de que os governos assumiriam um compromisso efetivo com a geração de “superávit fiscal primário”. A intenção era assegurar que uma parcela do resultado das contas públicas fosse canalizada diretamente para o pagamento das obrigações com o endividamento público externo.
Juros da dívida: um assalto normalizado
Desde 1997, o rentismo já drenou R$ 11,5 trilhões do orçamento público. No último ano, foram R$ 900 bi. Haddad abraça forte o “ajuste fiscal” e sociedade pouco debate essa parasitagem. É urgente mudança nas definições legais e institucionais que permitem este absurdo
O Banco Central (BC) divulgou no dia 31 de outubro as informações relativas ao desempenho fiscal do governo para o mês de setembro. O material oferece um conjunto amplo de dados estatísticos a respeito da situação das contas públicas do governo federal, com foco em sua dimensão monetária e financeira. A identificação do quadro mais geral apresentado pelo documento “Estatísticas Fiscais – Nota à Imprensa” reafirma a preocupação que devemos ter com as avaliações que os grandes meios de comunicação sempre reproduzem a respeito da tal da “responsabilidade fiscal”.
Os propagandistas da falácia da austeridade na grande imprensa costumam chamar a atenção para aquilo que qualificam malandramente de “gastança governamental”. No entanto, o detalhe é que eles se referem tão somente aos gastos primários. Assim, ficam de fora desta contabilidade muito peculiar, sempre tão ao agrado do povo do financismo, todas as despesas orçamentárias de natureza financeira. Esse raciocínio tautológico só fica de pé em razão de uma definição metodológica muito peculiar: os dispêndios classificados como “primários” incluem apenas as rubricas não-financeiras. Neste conjunto, portanto, estão itens como previdência social, educação, saúde, assistência social, salários de servidores, segurança pública etc. Mas ficam de fora deste cálculo todas as despesas realizadas com o pagamento de juros da dívida pública.
Esta distorção vem sendo mantida desde a década de 1980, quando houve um longo processo de crise das dívidas externas dos países do então chamado Terceiro Mundo. Deu-se um longo processo de renegociação das mesmas sob a coordenação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Tesouro dos EUA, em um período já marcado pela vigência dos primeiros traços daquilo que viria a ser chamado de Consenso de Washington. Assim, nas novas regras para as dívidas que vinham sendo reestruturadas, foi introduzida a cláusula de que os governos assumiriam um compromisso efetivo com a geração de “superávit fiscal primário”. A intenção era assegurar que uma parcela do resultado das contas públicas fosse canalizada diretamente para o pagamento das obrigações com o endividamento público externo.
Juros da dívida: distorção regressiva
No caso brasileiro, em particular, esta diretriz estratégica tornou-se uma orientação generalizada de conduta de política econômica. Os sucessivos governos passaram a se preocupar com a obtenção de superávit primário e o conceito foi, inclusive, introduzido com uma exigência na Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e está presente também no Novo Arcabouço Fiscal (lei complementar 200/23), o chamado Teto do Hadad que substituiu o Teto de Gastos do Temer. Uma das consequências mais perversas desse tipo de orientação foi o aprofundamento do processo de financeirização de nossa economia, bem como das finanças públicas brasileiras. Pouco a pouco, as despesas primárias foram sendo reduzidas em termos relativos e as despesas financeiras foram crescendo e ganhando importância no conjunto da execução orçamentária. Esse movimento colocou de ponta cabeça a lógica de priorização das despesas de natureza social e de estímulo aos investimentos públicos. A limitação do gasto em políticas públicas voltadas à maioria da população abriu o caminho para a privatização dos serviços públicos. Por outro lado, a ausência de limites legais para os dispêndios financeiros fez com que as contas de pagamento de juros se convertessem naquelas que apresentam a maior contribuição deficitária para a contabilidade pública de nosso país.
Ao longo de setembro recente, o governo gastou R$ 85 bilhões a título de pagamento de juros da dívida pública. Apesar de não se caracterizar como o mês de maior valor pago para esta rubrica, o total acumulado dos últimos 12 meses marca, este sim, um recorde e atingiu a marca de R$ 985 bi. O montante equivale a 7,9% do PIB. Uma loucura! Apesar da evidência de tal regressividade na aplicação dos recursos públicos, a equipe comandada por Fernando Haddad segue com sua injustificável obsessão com as metas de austericídio fiscal. Além de provocar enorme desgaste político para o governo do presidente Lula, o ministro da Fazenda insiste em sua saga de efetuar cortes e mais cortes exclusivamente nos programas de políticas sociais voltados à maioria da população.
Austeridade no social e liberou geral para o financismo
Para além dos condicionantes derivados do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) que ele mesmo elaborou e apresentou ao seu chefe logo no início do terceiro mandato, Haddad confere um toque de sofisticação de maldades. Não satisfeito em ter de cumprir as regras do NAF, ele mesmo se propõe a atingir uma meta suicida em termos de resultado fiscal primário. Ao se propor a buscar o equilíbrio entre receitas e despesas orçamentárias para 2025, ele mesmo obriga o próprio governo a efetuar cortes e mais cortes em todas as despesas que não sejam os juros. O elemento trágico nesse processo é que o déficit fiscal permanece em níveis trilionários, uma vez que o cálculo que interessa em termos macroeconômicos é o “déficit nominal”, que engloba o conjunto das despesas — incluindo o montante relativo aos juros. Segundo o relatório do BC, esse número atingiu em setembro R$ 1,02 trilhão para os últimos 12 meses. Isso representa 8,2% do PIB.
Apesar da evidente desproporção entre os valores de despesa primária e as financeiras, Haddad permanece obstinado em cortar na área social. Os exemplos mais recentes são as reduções no Benefício de Prestação Continuada (BPC), as dificuldades impostas para o recebimento das prestações vinculadas ao auxílio-doença do INSS, o ataque ao seguro defeso dos trabalhadores que vivem da pesca, entre tantos outros. Além disso, permanecem os malabarismos contábeis para reduzir os pisos constitucionais de saúde e educação, a exemplo do que ocorreu com a recente inclusão das despesas do Programa Pé de Meia na rubrica da educação, quando sempre foi tratado como sendo da esfera da assistência social. Até a própria União Nacional dos Estudantes (UNE) denunciou a manobra.
O fato é que, desde novembro de 2024 até agora, o volume acumulado de 12 meses das despesas com juros da dívida superou o patamar dos R$ 900 bi e se aproxima perigosamente da marca de um trilhão de reais. Com a manutenção da taxa Selic em 15% desde junho de 2025 e o crescimento permanente do estoque da dívida pública, a tendência é de que permaneça esse aumento contínuo nas despesas com juros.
Assim, o que se percebe é uma espécie de “normalização” do novo patamar anual de gastos orçamentários com o pagamento de juros da dívida pública. Trata-se de mais um fenômeno de acomodação a fenômenos trágicos e portadores de elevado grau de desigualdade social e econômica em nosso país. Assim como ocorria com a permanência por longos períodos com elevadas taxas de crescimento dos preços, observa-se mais recentemente o comprometimento de fatias enormes do fundo público com dispêndios destinados aos setores do topo da pirâmide da concentração de renda e patrimônio.
A “normalização” da tragédia
Tudo se passava antes do Plano Real em 1994, como se a sociedade brasileira estivesse viciada e dependente da convivência com taxas muito elevadas ou mesmo com a hiperinflação. Já nos tempos atuais, a “naturalização” de desvio dos valores do Orçamento para esse tipo de dispêndio regressivo é algo que se assemelha a uma patologia disfuncional. Enfim, uma distorção que atende muito bem aos interesses de uma minoria privilegiada e que obriga a grande maioria da sociedade a oferecer a sua “contribuição” para esse mecanismo perverso de apropriação privada dos recursos públicos.
É urgente a mudança nas definições legais e institucionais que permitem este absurdo. Afinal, os números são realmente alarmantes. Desde que a série elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) começou a coletar as informações estatísticas a esse respeito, o comprometimento do orçamento para pagamento de juros só fez crescer. De janeiro de 1997 a setembro de 2025, esse montante chegou a R$ 11,5 trilhões, a valores atualizados.
Matéria Publicada pelo site
OutrasPalavras
Mercado x Democracia
Por Paulo Kliass
Publicado 04/11/2025 às 18:03
Um narco-país com um narco-estado e nas mãos de um narco-governo onde facções criminosas, milícias integradas por integrantes dos braços armados do estado opressor nazifascista tupiniquim, disputam o domínio nas favelas, comunidades, periferias e subúrbios nas cidades do Bostil vulgo Brasil.
A relação do narco-governo stalinista cleptocrata lulista de toga com as facções criminosas principalmente PCC e CV ou os narcotraficantes, é tão simbiótica e de cumplicidade que Lula e sua quadrilha máfia e organização criminosa Planalto/STF/Congresso, que EMPOLEIRA o desgoverno, prefere perder apoio, principalmente da população vítima dos narcotraficantes, a combater estes, não é por acaso que Lula e sua quadrilha, máfia e organização criminosa rejeita tanto a idéia de classificar estas facções criminosas como grupos terroristas para não perder o apóio do crime organizado.
Também não foi por acaso que as cadeias e presídios comemoraram quando foi anunciado a eleição de Lula em 2022, assim como Lula e integrantes do seu desgoverno, entram nas zonas controladas pelo tráfico sem nenhum problema muito menos com aparato de segurança, e até recentemente áudio vazados onde líderes do tráfico, em conversa, diz que não precisa se preocupar pois "...nosso ministro soltará!"
Tudo isso só serve para mais uma vez provar que vivemos hoje em uma narco-ditadura com um narco-estado a serviço do crime organizado, oficializado e institucionalizado, e nas mãos de um narco-governo stalinista cleptocrata de toga, e isso é fato, assim como é fato que Brasil, Venezuela, Colômbia e México, se tornaram grandes potências do narcotráfico e não só de drogas como todos os tipos de crime assim como de facções criminosas e cartéis.
Site Consultor Jurídico
Opinião
STJ muda posição sobre abordagem policial e fundada suspeita
Diego Renoldi Quaresma de Oliveira
14 de outubro de 2025, 6h03
Constitucional Polícia
Quando éramos crianças, costumávamos brincar de um jogo chamado “polícia e ladrão”. Os “bonzinhos” tinham que encontrar os “caras maus” e, quando isso acontecia, gritava-se para todos ouvirem “pare em nome da lei” e o outro jogador parava imediatamente. Com algumas variantes do jogo, se a polícia conseguisse prender todos os ladrões no tempo estabelecido, ela ganhava. Caso contrário, os ladrões eram declarados vencedores e o jogo acabava.
Já disse em outras oportunidades que, no Brasil, criticar decisões do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores pode soar como antipático. Entretanto, isso precisa ser feito, superando eventuais desconfortos advindos.
Recentemente, foi noticiado nesta ConJur que por 3 votos a 2, no julgamento do HC 888.216/GO, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou válida, dentro da perspectiva da “fundada suspeita” a abordagem e a busca pessoal feita por policiais após contexto de “nervosismo” do cidadão que após a abordagem, confessou estar vendendo drogas [1]. Com a referida decisão, ouve um certo overruling jurisprudencial no tocante à flexibilidade legal na abordagem policial nas duas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça e acendendo um debate que a advocacia criminal e a academia devem protagonizar em razão da redução de direitos fundamentais em jogo. [2]
Feito esse inicial esclarecimento, parece que o STJ quer aplicar o comando “pare em nome da lei” da nostálgica brincadeira ao invés de enxergar o mundo real e o quanto aparentemente inofensivo tirocínio policial prejudica as garantias constitucionais individuais do cidadão, pois é algo puramente subjetivo sem amparo legal que pode trazer consequências irreparáveis. Com isso, a Corte esquece da impreterível necessidade de se existir fundada suspeita para a legitimação da abordagem policial, isto é, de que a ação policial somente é válida se baseada em um juízo de probabilidade de que a pessoa esteja cometendo um delito (justa causa). É o que os americanos chamam de probable cause or reasonable suspicion before the police can sieze, frisk, or search anyone. [3]
Abordagem policial
Em voto vencido no HC 888.216, o ministro Rogério Schietti não teve qualquer dificuldade em manifestar a preocupação de muitos que atuam no Sistema de Justiça Criminal: a de que “[e]stamos voltando aos tempos em que a polícia, simplesmente alegando a suspeita de alguém por nervosismo, autorizava, com esse nervosismo, algo absolutamente subjetivo, a abordagem policial”.
Spacca
Dito de outro modo, sob uma perspectiva constitucional, a polícia em geral não pode com base em mera subjetividade e ausência de concretude ser livre para perseguir, apontar armas ou determinar a parada para busca pessoal em um cidadão sem que se esteja diante de uma das hipóteses do §2º do artigo 240 do Código de Processo Penal, que diz: “Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. [4]
O artigo 244 do Código de Processo Penal vem “completar” a questão da busca pessoal dizendo que esse tipo de procedimento não depende de mandado judicial apenas em três situações: no caso de prisão; quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou objetos que constituam indícios de delito; ou quando for determinada no âmbito de busca domiciliar.
Se, por outro lado, na presença policial o cidadão parecer nervoso, apertar o passo ou entrar na residência, a abordagem policial não está legal e constitucionalmente justificada.
Intimidação e coerção
Dada a infeliz recorrente violência e seletividade policial, a população, principalmente aquela que reside nas periferias, compreende que ser perseguida pela polícia é uma clara forma de intimidação e coerção, além do próprio constrangimento que causa. À polícia, é necessário accountability. As maiores mentiras contadas em ações penais que versão tráfico de drogas apenas para listar duas são: “o suspeito foi preso em local conhecido por ser ponto de tráfico de drogas”, e “perseguido, o suspeito jogou uma sacola contendo entorpecentes”. [5]
No mesmo sentido e para finalizar, valendo-se mais uma vez do que disse o ministro Schietti, o tema “afeta a vida de qualquer pessoa que esteja transitando nas ruas e que possa estar sujeita a uma abordagem policial sem a objetividade que se espera, conforme o Estado Democrático de Direito”.
O Poder Judiciário deve encontrar uma reposta adequada à Constituição sobre o tema do exercício do poder de polícia e a redução de direitos fundamentais e não ser parte do problema, até porque, se assim o for, além de transformar em arrematada ficção o que diz a lei e a Constituição, o resultado será desenterrar o velho problema romano de “quem vigia os vigilantes?”.
[1] Aqui
[2] A 6ª Turma do STJ já havia decidido no RHC 158.580, que a revista pessoal ou veicular baseada exclusivamente em “atitude suspeita” é ilegal. Em 2023, no AgRg no HC 747.421, a 5ª Turma entendeu há época que o nervosismo do suspeito, percebido pelos policiais, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal, uma vez que essa percepção é excessivamente subjetiva.
[3] Ver: DERSHOWITZ, ALAN. Stop in the name of the law, p. 149, in: Contrary to popular opinion, New York, Berkley Books, 1994.
[4] Infelizmente, como ressalta LOPES JR. Aury. (Direito processual penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 574 e 575) a fundada suspeita é uma cláusula genérica, de conteúdo vago, impreciso e indeterminado, que remete à ampla e plena subjetividade (e arbitrariedade) do policial (…) Trata-se de ranço autoritário de um Código de 1941.
[5] Isso é algo tão comum nos EUA que a doutrina e jurisprudência de lá até dão um nome para esse comportamento, chamando-o de “dropsy” testimony. Sobre o tema, ver: DERSHOWITZ, Alan, ob. cit. p. 149.
https://youtu.be/vmUdnzKj1Wg?si=cIfqTQclwrv6cZp5
https://youtu.be/4TvdvX-ffH0?si=uLAVNBMysX0Hodee
https://youtu.be/B_IIep7-Jcs?si=z5l7jlANxfyUsLPs
https://youtu.be/B_IIep7-Jcs?si=U3vUaaUB9srxneGN
https://youtu.be/jSR9zZBblmA?si=MvLWnZH73BARF0K7
https://youtu.be/p7349kkxuSc?si=nObn4APfzwTRCfDZ
https://youtu.be/_RvNulwkYl8?si=mf4Nqc840SOvV1Zv
https://youtu.be/WXtwJ92lCxg?si=_UrFeVDAPLvfL9FY
Bob Black
Mestre em jurisprudência e política social pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em justiça criminal na Universidade de Albany, em SUNY, e LL.M em direito penal pela University at Buffalo Law School. Formado na Universidade de Michigan e na Georgetown Law School (Washington D.C.)
Pela primeira vez na história, “quase todos hoje professam ser democratas” (HELD, 1996; MACHAN, 2002, cap. “Introduction: The Democratic Ideal”).
Os professores universitários professam a democracia profusamente, apesar de mantê-la fora do campus. Democracia – realmente, “essa palavra pode significar qualquer coisa” (Ellul, 1967: 181). Mesmo a Coreia do Norte se autoproclama uma República Popular Democrática.
A democracia vai bem com tudo. Para os defensores do capitalismo, a democracia é inseparável do capitalismo. Para os defensores do socialismo, a democracia é inseparável do socialismo. É até mesmo dito ser inseparável a democracia do anarquismo (Graeber apud Black, 2009). É identificada com o bem, o verdadeiro e o belo. Há um sabor da democracia para todos os gostos: democracia constitucional, democracia liberal, social-democracia, democracia-cristã e até democracia industrial.
Os poetas (reconhecidamente, não muitos) cantaram hinos em sua glória. E, no entanto, a suspeita esconde isso, como pareceu a outro poeta, Oscar Wilde, “a democracia significa simplesmente o golpe do povo, pelo povo e para o povo. Assim se descobriu” (Wilde, 1969: 294). Foi descoberta, e considerada infundada.
Até o século XX havia poucas democracias. Até o século XIX, a sabedoria das eras foi unânime em condenar a democracia.
Todos os sábios da Grécia antiga.
1 Tradução do texto “Debunking Democracy”, publicado originalmente em abril de 2011. O texto que serve de base para esta tradução foi escaneado do CAL Press Pamphlet Series #2 e disponibilizado com copyleft pelo site theanarchistlibrary.org. Tradução de Lucas Lemos Walmrath, mestrando do PPGSA da UFRJ.
2 Robert Charles Black Jr. (nascido em 4 de janeiro de 1951) é um anarquista americano. Ele é o autor dos livros A Abolição do Trabalho e Outros Ensaios, Beneath the Underground, Friendly Fire, Anarchy After Leftism, Defacing the Currency e numerosos ensaios políticos. O autor se formou na Universidade de Michigan e na Georgetown Law School (Washington D.C.). Possui também mestrado em jurisprudência e política social pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em justiça criminal na Universidade de Albany, em SUNY, e LL.M em direito penal pela University at Buffalo Law School (WIKIPEDIA CONTRIBUTORS, 2018, tradução própria).
3 “Democracia é feita idêntica à liberdade intelectual, à justiça econômica, ao bem-estar social, à tolerância, à piedade, à integridade moral, à dignidade do homem e a decência civilizada geral” (Nisbet, 1962, p. 248).
2 denunciaram, especialmente os sábios da Atenas democrática (Barker, 1959: 13; Finley, 1985: 5-29; Held, 2006: 80). Como Hegel escreveu:
Aqueles antigos que, como membros das democracias desde sua juventude, haviam acumulado uma longa experiência e refletido profundamente sobre isso, detinham diferentes pontos de vista sobre a opinião popular do que as visões mais a priori prevalecem hoje (Hegel, 1999, p. 235)
Os Framers da Constituição dos Estados Unidos rejeitaram a democracia(Bailyn, 1967; Wood, 1972: 222–223; 409–413)5, assim como os seus opositores, os antifederalistas (Storing, 1981: 29). A democracia que fora até então desprezada universalmente é a que agora é chamada de democracia direta, governo do povo sobre o povo. “Povo”, em “pelo povo”, significava os cidadãos: uma minoria constituída por alguns homens adultos. “Povo”, em “sobre o povo”, significava todo restante da população. Os cidadãos reuniam-se em intervalos de tempo para exercer o poder do Estado pela regra de maioria de votos. Este sistema já não existe em qualquer lugar, e isso facilita acreditar nele, como Hegel observara.
A democracia só se tornou respeitável, no século XIX, quando seu significado mudou. Agora significava democracia representativa, na qual a cidadania – agora um eleitorado, mas ainda uma minoria – de vez em quando escolhia alguns de seus governantes por maioria de votos (ou melhor, pela maioria dos que efetivamente votam – o que não é o mesmo). Os governantes eleitos nomeiam o resto dos governantes. Como sempre, alguns governam, e todos são governados.
No século XIX, quando este sistema prevaleceu em apenas algumas nações, adquiriu alguns defensores intelectualmente capazes, como John Stuart Mill; mas também provocou alguns adversários intelectualmente capazes, como Herbert Spencer, Pierre-Joseph Proudhon e Friedrich Nietzsche. A democracia, como uma das ideologias políticas ascendentes da época, acomodou-se a outras: ao liberalismo, ao nacionalismo, ao socialismo e até mesmo ao cristianismo. Elas, por sua vez, geralmente acomodaram-na. O que parecia improvável, estas doutrinas geralmente se legitimaram mutuamente.
4 N.T.: Termo em inglês para designar os “Cinquenta e cinco delegados que participaram de sessões da Convenção Constitucional e são considerados os autores da Constituição, embora apenas 39 delegados tenham realmente assinado” (Wikipedia Contributors, 2019, tradução própria).
5 Veja, e.g, The Federalist (Madison, 1961); The Records of the Federal Convention of 1787 (United States Constitutional Convention, 1911, p. 26–27, Edmund Randolph; 48, Elbridge Gerry; 49, George Mason;288, Alexander Hamilton). Randolph culpou os problemas da América com “a turbulência e as loucuras da democracia” (Ibid. 1911, p. 51).
A dita popularidade da democracia é seguramente exagerada. É uma milha de largura e uma polegada de profundidade. A aversão a regimes autoritários não é necessariamente um entusiasmo pela democracia. Em algumas das democracias pós- comunistas, a democracia já perdeu o seu charme (Dahrendorf, 2005: 168). Em outras, como a Rússia, a própria democracia já está perdida. As democracias mais antigas persistem mais de apatia e da força do hábito do que de convicção genuína. John Zerzan pergunta, razoavelmente: “Alguma vez houve uma importância muito incessante sobre a democracia, e menos interesse real nela?” (Zerzan, 2002: 204). Bem, teve?
A ideia de democracia nunca foi justificada, apenas meramente glorificada. Nenhuma das críticas mais antigas da democracia foi refutada, e mesmo nenhuma das mais novas também foram. Elas vêm da esquerda, da direita e do centro. Algumas dessas críticas se seguem. Elas estabelecem que a democracia é irracional, ineficiente, injusta e antitética aos próprios valores reivindicados: liberdade, igualdade e fraternidade. Nem mesmo, por exemplo, implica liberdade (Russel, 1996: 24; Stephen, 1991: 168). Em vez disso, a tendência instintiva da democracia é “desprezar os direitos individuais e tomar pouco conhecimento deles” (De Tocqueville, 1969: 699). A democracia não só subverte a comunidade: insulta a dignidade e aflige o senso comum. Nem todos esses valores violados são importantes para todos, mas alguns deles são importantes para qualquer um, exceto para alguém a quem nada é importante. É por isso que os pós-modernistas são democratas.
Nos últimos anos, alguns intelectuais (acadêmicos e antigos radicais) tentaram reviver a democracia direta como um ideal e configurá-la como uma alternativa viável para a democracia representativa. Seus esforços extenuantes interessam apenas a eles mesmos. Os seus esforços falham, pelo menos, por dois motivos. O primeiro motivo é que, de fato, não há motivos para acreditar que tenha havido uma democracia urbana puramente direta ou mesmo uma aproximação razoável de uma. Toda instância conhecida envolveu uma mistura considerável de democracia representativa que, mais cedo ou mais tarde, geralmente subordinava a democracia [direta], onde aquela não eliminava esta completamente(Black, 1997: 71)
Não há espaço para provar isso aqui, mas a evidência é ampla (Black, 2010, cap. 14 e 15).
A democracia direta é meramente um ideal abstrato, uma fantasia, de fato, sem base na experiência histórica. De acordo com Jean-Jacques Rousseau, que é falsamente reivindicado como defensor da democracia direta, “por menor que seja qualquer Estado, as sociedades civis são sempre muito populosas para estar sob o governo imediato de todos os seus membros” (Rousseau, 1950a: 313). O segundo motivo é que as principais objeções à democracia representativa também se aplicam à democracia direta, mesmo que esta seja considerada como uma forma ideal de democracia majoritária pura. Algumas objeções se aplicam a uma versão, algumas à outra, mas a maioria se aplica a ambas. Há mais do que razões suficientes para rejeitar todas as versões da democracia. Deixe-nos, então, considerar algumas dessas objeções.
Objeções à Democracia
A maioria nem sempre está certa. Como (entre muitos outros) Pierre-Joseph Proudhon, Henry David Thoreau, Mikhail Bakunin, Benjamin Tucker, Errico Malatesta e Emma Goldman disseram – e alguém discorda? - “a democracia não garante decisões corretas. A única coisa especial sobre as maiorias é que elas não são minorias” (Lomasky, 2002: 3). Não há força em números, ou melhor, não há nada além de força em números. Partidos, famílias, corporações, sindicatos: quase todas as associações voluntárias são, por opção, oligárquicas (Kerr, 1957: 12)6. De fato, em assembleias diretas ou representativas, eleitorais ou legislativas, o todo é menos – menos mesmo – que a soma de suas partes. É até mesmo matematicamente demonstrável (mas não por mim) que a tomada de decisão majoritária gera decisões ineficazes, socialmente desperdiçadoras e mais ou menos autodestrutivas (Buchanan; Tullock, 1962: 169; Mcconnell, 1966: 120–127; Spitz, 1982: 153; Taylor, Michael, 1982: 54–55). Além disso, depois disso tudo, por que você deveria, ou, por que alguém deveria, aceitar uma decisão que você sabe que é errada? Certamente, a qualidade das decisões na democracia tem algo a ver com a qualidade do processo de tomada de decisão desta.
Da mesma forma, a democracia na Suíça é a mais participativa do mundo, mas os suíços não são “particularmente participativos na vida econômica e social” (Linder, 2010: 127).
A democracia não dá a todos, como prometido, o direito de influenciar as decisões que os afetam, porque uma pessoa que votou no lado perdedor não terá influência nas decisões posteriores. Como Henry David Thoreau escreveu, “uma minoria é impotente enquanto está em conformidade com a maioria; não é mesmo uma minoria, então” (Thoreau, 1960:231). E é, de fato, impotente: não é nada. Thomas Hobbes antecipou Thoreau:E se o Representante consistir em muitos homens, a voz do maior número deve ser considerada como a voz de todos. Pois, se o número menor pronunciar (por exemplo) na Afirmativa, e o maior na Negativa, haverá Negativas mais do que suficientes para destruir as Afirmativas; e, portanto, o excesso de Negativas, sem contradição, é a única voz que o Representante tem. (Hobbes, 1968: 221).
“A maioria numérica”, escreveu John C. Calhoun, “é tão verdadeiramente um único poder – e exclui os contrários tanto quanto o governo absoluto de um ou poucos.”(Calhoun, 1953: 29).
A democracia, especialmente nos pequenos círculos eleitorais, presta-se à destituição de minorias permanentes, que ocupam a mesma posição na democracia que ocupariam sob o despotismo. Não é sempre a mesma maioria momentânea que rege o governo, mas muitas vezes o é, e as maiorias em mudança só tornam menos provável, não improvável, que algum grupo seja sempre oponente à gangue vencedora (Steiner, 2001; Spitz, 1982: 183).
Sob a democracia americana há muito tempo é sabido, mesmo para o Supremo Tribunal dos EUA em 1938, que as “minorias discretas e insulares” estão em desvantagem política além do mero fato (que é uma desvantagem suficiente) de serem minorias (“United Statesv. Carolene Products Company”, 1938). E quanto menor o círculo eleitoral, mais provável é que muitos interesses possam ser representados “por números tão pequenos que são menores do que o mínimo necessário para a defesa desses interesses em qualquer ambiente” (Mcconnell, 1966, p. 109).
A regra da maioria ignora a urgência das preferências. As preferências variam em intensidade, mas o consentimento não. A preferência é mais ou menos, o consentimento é sim ou não. O voto de uma pessoa que tem apenas uma pequena preferência por um candidato ou medida conta o mesmo que o voto de alguém apaixonadamente oposto, e assim: “Uma maioria com preferências ligeiras de uma maneira pode ultrapassar quase tantas preferências fortes do outro lado”. Poderia até haver, como acabamos de observar, uma minoria permanentemente frustrada, que é uma fonte de instabilidade, ou mesmo a opressão. Por outras palavras, a oportunidade de influenciar uma decisão não é proporcional ao interesse legítimo de uma pessoa pelo resultado (Buchanan; Tullock, 1962: 125–127, 132–133; Burnheim, 1985: 83; Dahl, 1956: 91–99, 1982: 88–89; Waldron, 1999: 132; 142–143).
Os teóricos da democracia geralmente ignoram o problema ou, como John Rawls, o acenam dogmatizando que “essa crítica baseia-se na visão equivocada de que a intensidade do desejo é uma consideração relevante na promulgação da legislação”(Rawls, 1999: 230). Mas, por mais embaraçoso que seja para os democratas, “a questão da intensidade é absolutamente vital para a estabilidade dos sistemas democráticos” - e é uma questão para a qual a pura democracia majoritária não tem resposta (Barbear, 1988: 79; Kendall; Carey, 1968). Rousseau pelo menos reconheceu o problema, embora sua solução seja impraticável. Ele pensou que “quanto mais graves e importantes forem as questões discutidas, mais perto a opinião que deve prevalecer abordar a unanimidade”(Rousseau, 1950b: 107). Mas não há como decidir a priori a importância de uma questão.
Primeiro você deve decidir o quão importante é a questão, e a maioria pode muito bem governar uma questão para ser sem importância para se certificar de que a questão será respondida como a maioria deseja. Não existem regras de votação democráticas autoevidentes. Maioria ou pluralidade? Delegação de representatividade? Quóruns? Supermaiorias (De três quintos? Dois terços?) necessárias para todas, algumas ou nenhuma das decisões? Quem define a agenda? Os movimentos de base serão entretidos? Quem decide quem fala, por quanto tempo e quem obtém a primeira ou a última palavra? Quem agendaria as reuniões? Quem aponta isso? E quem decide, e por que regras, as respostas a todas essas questões? “Se os participantes não concordarem com as regras de votação, eles podem primeiro votar essas regras. Mas eles podem discordar sobre como
N.T.: Tradução livre do termo em inglês proxy voting. Segundo a Wikipedia, “é uma forma de votação em que um membro de um órgão de decisão pode delegar seu poder de voto a um representante, para permitir uma votação na sua ausência. O representante pode ser outro membro do mesmo corpo ou externo.
Uma pessoa assim designada é chamada de “proxy” e a pessoa que a designa é chamada de “principal””(“Proxy voting”, 2019).
votar as regras de votação, o que pode tornar a votação impossível, pois a decisão sobre como votar é adiada para mais adiante” (Steiner, 2001: 130).
Uma votação coletiva, de tudo ou nada, é irracional Uma decisão tomada sobre uma questão importante por um único voto é tão válida como uma votação unânime sobre alguma frivolidade. Essa extrema raridade, a única vez que um voto, a vontade de uma pessoa, faz a diferença, é a mesma situação – monarquia, ditadura, governo de um homem só – da qual a democracia deveria ser uma solução melhor! Em todos os outros momentos, de todos os votos para o lado vencedor, apenas um é decisivo, então os votos de todos, exceto um dos vencedores, com os votos de todos os perdedores, também não poderiam ter sido computados.
A regra da maioria não é nem mesmo o que se pretende: raramente significa literalmente a maioria das pessoas (Spitz, 1982: 3) Muitas pessoas (como crianças, estrangeiros, lunáticos, sem-teto e criminosos) em todos os cantos têm negado seu direito de voto. Os privados dos direitos nunca são muito menos do que a maioria, e às vezes são a maioria. E uma vez que raramente acontece que cada um dos eleitores elegíveis vota todas as vezes, geralmente a maioria resultante de uma maioria significa pluralismo (Barclay, 1982: 118; Linder, 2010: 110; Mill, 1951:346–347), em outras palavras, a regra da minoria momentaneamente maior, que pode ser bastante pequena. A maioria da maioria é muitas vezes uma minoria, e a maioria de uma minoria é sempre uma minoria. A fim de englobar as maiorias de assembleias incoerentes, os líderes costumam exercer um poder literalmente decisivo.
Sob qualquer governo possível, uma minoria governa. Seja votando por distritos eleitorais ou em assembleias populares, as decisões são arbitrárias porque os limites dos distritos determinam a composição de seus eleitores, o que determina as decisões. Em uma democracia, “a definição do círculo eleitoral em que a contagem é tomada é uma questão de importância primordial”, mas a teoria democrática é incapaz de dizer - “A necessidade desses líderes é evidente, pois, sob o nome de chefes de grupos, eles são recebidos nas assembleias de todos os países. Eles são os reais governantes de uma assembleia” (Bon, 1960: 189).
quem deve ser incluído em um eleitorado (Cain, 1984: 36–37; Dahl, 1982: 97–99;Mcconnell, 1966: 92 citado; Taylor, Peter J.; Gudgin; Johnson, 1986: 183–184). Redesenhe os limites e a maioria se torna uma minoria ou vice-versa, embora ninguém tenha mudado de ideia. Os políticos que desenham e redesenham os limites entendem isso muito bem.
Depois, há o paradoxo do eleitor, uma contradição técnica (mas muito real) da democracia descoberta por Condorcet antes da Revolução Francesa
Em cada situação em que dois ou mais eleitores escolham entre três ou mais alternativas, se os eleitores escolherem consistentemente, a preferência majoritária pode ser determinada unicamente pela ordem em que as alternativas são votadas. Pode acontecer que A seja preferido em relação a B, e B seja preferido em relação a C, mas C é preferido pela maioria em relação a A (Arrow, 1963: 2–3, 94–95; Condorcet, 1994:120–130)! Esta não é uma mera possibilidade teórica: aconteceu em votos reais.
Há, na verdade, vários desses paradoxos de votação. Sob condições ideais, a regra da maioria quase sempre produz essas ordens de preferência cíclicas. Por esta e outras razões, as várias condições de equilíbrio para a regra da maioria são incompatíveis mesmo com um grau muito modesto de heterogeneidade de preferências e, na maioria dos casos, não são significativamente menos restritivas do que a condição extrema da unanimidade completa das preferências individuais (Fishburn, 1974, para mais cinco paradoxos;Kramer, 1973: 285 citado; Nurmi, 1999; Riker; Weingast, 1988, para exemplos da vida real de maiorias cíclicas perpétuas).
O que isso significa é que quem controla a agenda política controla o voto ou, pelo menos, “que fazer agendas parece tão importante como realmente passar a legislação”(Riker, 1993: 1, citado; Shapiro, 1990: 97). É conveniente que um matemático do século XIX, que escreveu sobre esse fenômeno (o qual ele chamou de “maiorias cíclicas”), seja mais conhecido por seu pseudônimo10, Lewis Carroll (Arrow, 1963: 94; Dodgson, 2001:46–58; Wolff, Robert Paul, 1970: 59–63). Ele sentiu o absurdo com honestidade.
A única razão pela qual as ordens de preferência cíclicas não são mais comuns na vida real é a influência de outras práticas antidemocráticas, como o logrolling (ver abaixo).
N.T.: Bob Black faz referência aqui a Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson(Daresbury, 27 de janeiro de 1832 — Guildford, 14 de Janeiro de 1898). Foi “um romancista, contista, fabulista, poeta, desenhista, fotógrafo, matemático e reverendo anglicano britânico. Lecionava matemática no Christ College, em Oxford. É autor do clássico livro Alice no País das Maravilhas, além de outros poemas escritos em estilo nonsense ao longo de sua carreira literária, que são considerados políticos.
Outro método bem conhecido para frustrar a regra da maioria com a votação é a troca de favores políticos Logrolling é uma troca de votos entre facções. Cada grupo vota para a medida do outro grupo, uma medida que de outra forma seria derrotada porque cada grupo faz parte da minoria. (Observe que isso não é um compromisso porque as medidas não estão relacionadas (Buchanan; Tullock, 1962: 132–133; Burnheim, 1985: 6; Mcconnell, 1966:111–112). As facções não estão dividindo a diferença). Em certo sentido, a troca de favores facilita algum alojamento da urgência das preferências, uma vez que uma facção só troca seus votos por votos que ele mais valoriza – mas o faz por suborno e em detrimento da democracia deliberativa. Nenhuma maioria realmente aprova qualquer medida promulgada por troca de favores, uma vez que, se assim o fosse, não haveria necessidade da troca. E aqueles cujos votos são desnecessários podem ser excluídos do processo da troca de favores (Gillette, 1987: 959; Noonan, 1984: 580)11. A prática é comum às democracias representativas e diretas.
No caso improvável de um corpo legislativo evitar a troca de favores, ele pode sucumbir a uma paralisia do governo. Considere uma questão política típica, como a construção de uma rodovia (uma usina de energia ou um depósito de lixo podem ser exemplos ainda melhores). Todo mundo quer uma estrada, mas ninguém a quer em seu quintal. Se três grupos quiserem uma estrada – mas não em seus quintais, obrigado – eles vão se orgulhar de tocar o projeto função das fusões e da disposição espacial das palavras, como precursores da poesia de vanguarda.” (“Lewis Carroll”, 2018). 11
Na Itália do século XII, Gênova e Pistoia proibiram o logrolling nas eleições consulares (MARTINES, 1979, p. 29). Tais leis são em vão: “As leis contra o logrolling (provavelmente passadas em parte por meio do logrolling) não afetam substancialmente o funcionamento da democracia nos países que as adotaram”(TULLOCK, 1976, p. 41). Eles só convidam sigilo e hipocrisia. A maioria de dois terços dos estados para a adoção da Décima Terceira Emenda à Constituição dos EUA, abolindo a escravidão, foi obtida por meio de logrolling (NOONAN, 1984, p. 456–458). Veja, e.g., Tullock (1976, p. 45–46). Os referendos, outra expressão da democracia direta, proporcionam “o exemplo mais querido” do “logrolling”, colocando em um único voto medidas não-relacionadas agrupadas para apelar à maioria. (Ibid. 1976, p. 48–49). Algumas constituições estaduais tentam proibir a inclusão de mais de um assunto em cada proposta de votação. Essas disposições são notoriamente ineficazes. Elas também são antidemocráticas, porque o judiciário é o árbitro final. Em um sistema político sem freios e contrapesos, a democracia é tirania. Mas um sistema político com freios e contrapesos não é uma democracia.
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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(Rescher, 1999). A estrada que todos querem em algum lugar não será construída em
qualquer lugar. Isso é um resultado ainda pior do que com a troca de favores, onde pelo
menos a estrada é construída em algum lugar, e pode ser útil para alguém. Não é fácil
dizer o que é pior, uma democracia que não governa, ou uma democracia que governa,
de fato.
A democracia, especialmente a democracia direta, promove sentimentos
desarmoniosos e anti-sociais
A psicologia da ekklesia (assembleia) é a psicologia da ágora (feira13): “Os
eleitores e os clientes são essencialmente as mesmas pessoas. O Sr. Smith compra e vota;
ele é o mesmo homem no supermercado e na cabine de votação” (Tullock, 1976: 5)14. O
capitalismo e a democracia passaram a dominar como objetivos da mesma classe, a
burguesia. Juntos, eles fizeram um mundo comum de individualismo egoísta - uma arena
de competição, não um campo de cooperação. A democracia, como litígio, é um método
de decisão conflituoso: “A regra da maioria pertence a uma teoria do combate na política.
É uma disputa entre as forças opostas, e o resultado é a vitória de um lado e a derrota para
o outro”. Na verdade, como observou Georg Simmel, a regra da maioria é realmente a
equivalente substituta da força (Simmel, 1950: 241–242). “Aceitamos tentar a força
contando cabeças em vez de quebrar as cabeças. A minoria cede não porque está
convencida de que é errada, mas porque está convencida de que é uma minoria” (Stephen,
1991: 70). Ter que enfrentar, literalmente, um adversário publicamente pode provocar
agressões, raiva e sentimentos competitivos (Mansbridge, 1980: 273; Spitz, 1982: 192)15
.
Em um sistema onde o vencedor leva tudo, não há incentivo para compensar ou
conciliar minorias derrotadas, que foram informadas, de fato, que não só eles não devem
13 N.T.: Bob Black usa originalmente o termo marketplace, que escolhi traduzir como “feira” para
distinguir do sentido de “mercado” em termos estritamente econômicos, fazendo, assim, mais jus ao
termo ágora por ele mencionado em sua alusão a nomes gregos.
14 Considerações morais à parte (onde elas pertencem), a regra da maioria com logrolling pode levar a
resultados ineficientes – o pico de eficiência exige, surpreendentemente, supermaiorias: “A regra da maioria
não é, portanto, ideal” (TULLOCK, 1976, p. 51–55, 55 citado).
15 “[…] a democracia majoritária é exclusiva, competitiva e com oposição” (“Consensus Democracy”,
2003). Mansbridge acrescenta que, por ser angustiante enfrentar uma maioria hostil, as reuniões exercem
pressão pela conformidade. Militantes altamente motivados podem apenas se desgastar e superar os outros:
“The Lower and Weaker Faction, is the firmer in Conjunction: And it is often scene, that a few, that are
Stiffe, does tire out, a greater Number, that are more Moderate” (BACON, 1985, p. 155, ensaio número
LI). Não menos importante das muitas desigualdades sérias que são inerentes à assembleia é a desigualdade
entre extrovertidos e introvertidos. O governo de assembleia desencoraja a presença do tipo de pessoa que
não gosta de estar na mesma sala com, digamos, Murray Bookchin ou Peter Staudenmeier.
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seguir seu caminho, como também são estigmatizadas como erradas. A maioria
inexplicável é arrogante; a minoria derrotada é ressentida16. O voto coercivo promove a
polarização e endurece as posições. A deliberação “pode trazer diferenças para a tona,
ampliando-as em vez de diminuí-las” (Shapiro, 2002: 198–199). Estas consequências,
silenciadas em sistemas de larga escala, com voto secreto em eleições não muito
frequentes, são acentuadas na combinação comunal imaginada de pequenos eleitorados,
eleições extremamente frequentes e votação pública. Os cidadãos levarão suas
animosidades e úlceras para casa e as demonstrarão na vida cotidiana. As eleições são
indesejáveis em todos os lugares, mas em nenhum outro lugar elas seriam mais destrutivas
para a comunidade do que em assembleias face a face e em bairros/vizinhanças.
Outra fonte de irresponsabilidade das maiorias, e indignação das minorias, é a
frivolidade sentida de votar seu elemento de chance e arbitrariedade
Como Thoreau (citado por Emma Goldman) coloca, “Toda votação é uma espécie
de jogo, como o jogo de damas ou gamão, com um leve toque moral, um jogo com certo
e errado, com questões morais; e as apostas naturalmente acompanham isso.” (Thoreau,
“Civil Disobidience”, p. 226 apud Goldman, 1972a: 60; Waldron, 1999: 126–127). A
regra da maioria é a roleta da maioria. A popularidade das assembleias estudantis e do
modelo das Nações Unidas confirma que há um elemento lúdico e envolvente na tomada
de decisão deliberativa, qual seja independente de suas consequências. Este é um interesse
que os delegados compartilham entre si, mas não com seus constituintes. A votação é uma
competição, oficialmente organizada pela maioria, algumas vezes com altas apostas. Na
medida em que os cidadãos reunidos estão jogando uns com os outros, ou que o ganhar
por si só (ou pelo modo como você joga o jogo) desempenha qualquer papel em sua
motivação, a qualidade da tomada de decisão é reduzida ainda mais, e a humilhação da
submissão ao governo da maioria é muito aprofundada.
Sob a democracia representativa com os distritos eleitorais, o desajuste – a criação
de distritos com populações desiguais – é possível e, mesmo que sejam iguais, a
16 “Ver a proposta de um homem que nós desprezamos ser preferida em lugar da nossa; ver nossa sabedoria
ignorada diante de nossos olhos; incorrer em certa inimizade em uma luta incerta pela glória vazia; odiar e
ser odiado por causa de diferenças de opinião (que não podem ser evitadas, ganhemos ou perdemos); revelar
nossos planos e desejos quando não houver necessidade e não conseguir nada com isso; negligenciar nossos
assuntos privados. Estas, eu digo, são desvantagens” (HOBBES, 1998, p. 120).
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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manipulação dos limites (de um eleitorado) de modo a favorecer um partido ou
classe é quase inevitável
Os democratas modernos concordam com H.L. Mencken que “deve ficar claro
que uma comunidade cujos votos, homem a homem, contam apenas pela metade dos
votos de outra comunidade, é uma comunidade em que metade dos cidadãos é, para todas
as intenções práticas, incapacitada de votar como um todo” (Dahl, 1982: 83–84;
Mencken, 1926: 86, citado). Mesmo que, como ocorre atualmente nos Estados Unidos,
os distritos devam ser quase iguais em população, o gerrymandering17
– o desenho de
fronteiras de modo a favorecer algum candidato ou partido – é uma tentação permanente.
Especialmente desde que os encarregados fazem tal desenho. Usando a mais recente
tecnologia libertadora – o computador – é fácil conceber distritos enviesados ainda que
matematicamente iguais.
A democracia direta, tentando evitar esse mal, abraça o federalismo, este que
aumenta a desigualdade
Se a vizinhança ou as unidades básicas face a face fossem autárquicas –
autogovernadas e autossuficientes – não seria da conta de ninguém, apenas da
comunidade, quais e quantas pessoas seriam incluídas. Eles poderiam ir para o inferno à
sua própria maneira. Mas os desenhos de democracia direta tipicamente exigem um
sistema federal com camadas de delegados “obrigatórios e revogáveis, responsáveis pela
base”, pelas quais as decisões das assembleias são reconciliadas. Alguns delegados dos
níveis mais altos potencialmente falam por um diferente número de cidadãos do que
outros delegados, ainda que votem em igualdade. Em um sistema federal de unidades de
população numericamente desigual, a igualdade de votos para as unidades significa a
desigualdade de voto para os indivíduos. O sistema federalista – mas de um único membro
– de pluralidade simples, evidentemente contemplado pela maioria dos democratas
17 N.T.: Alguns conceitos não encontram uma tradução perfeita, como “Gerrymandering (palavra de
origem norte-americana) [que] é um controverso método de definir em termos de área os distritos eleitorais
de um território para obter vantagens no número de representantes políticos (geralmente parlamentares)
eleitos, em especial nos locais onde se utiliza o sistema eleitoral majoritário com voto distrital. O
gerrymandering pode também servir para favorecer ou prejudicar um determinado grupo étnico, linguístico,
religioso ou social ou político-partidário.” (“Gerrymandering”, 2019).
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diretos, incluindo os sindicalistas, é o menos proporcional de todos os sistemas de votação
(Burch, 2003).
A desigualdade será composta em todos os níveis superiores. A maioria; a maioria
da maioria; a maioria da maioria da maioria – quanto mais alto você for, maior será a
desigualdade. Quanto mais vezes você multiplicar por uma fração, menor será o número
a que você chega. “Não é possível”, diz-se, “encontrar uma resposta geral para a questão
de até que ponto o federalismo pode ser legitimamente concedido para superar a
democracia” (Linder, 2010: 84)18. Na verdade, há uma resposta geral à questão. A
resposta é não. Um defensor da democrata direta que afirma que um sistema confederado
abrangente produz decisões majoritárias afirma o impossível como um ato de fé (e.g.
Bookchin, 1999: 314).
A democracia direta, em um grau ainda maior do que a democracia representativa,
encoraja a tomada de decisão emocional e irracional19
O contexto face a face da política de assembleia engendra fortes influências
psicológicas interpessoais que são, na melhor das hipóteses, alheias à tomada de decisão
sobre os méritos. A multidão é suscetível a oradores e estrelas, e intolerante à contradição
(Michels, 1962: 64-98–102)20. Os oradores, no tempo limitado que lhes é atribuído,
tendem a sacrificar o raciocínio à persuasão sempre que têm que escolher, se quiserem
vencer. Como Hobbes escreveu, os oradores não partem de princípios verdadeiros, mas
de
opiniões comumente aceitas, que em sua maioria são geralmente falsas, e não
tentam fazer com que seu discurso corresponda à natureza das coisas, mas às
paixões dos corações dos homens. O resultado é que os votos não são feitos com
base no raciocínio correto, mas no impulso emocional (Hobbes, 1998: 123)21
.
“A democracia pura, como o puro rum, produz facilmente intoxicação e, com esta,
mil loucuras e tolices” (John Jay, citado em Jay, 1833: 315)22. Dissidentes sentem-se
18 No sistema suíço, o voto de um cidadão em Uri, um pequeno cantão rural, vale mais que os votos de 34
cidadãos em Zurique (Linder, 2010: 81).
19 “As características gerais das multidões devem ser enfrentadas nas assembleias parlamentares:
simplicidade intelectual, irritabilidade, sugestionabilidade, o exagero dos sentimentos e a influência
preponderante de alguns líderes.” (Bon, 1960: 187).
20 Para quem tem dúvidas sobre a democracia, este é o primeiro livro a se ler.
21 Ver também Freud (1959, p. 9) e Le Bon (1960: 187).
22 Jay, co-autor de The Federalist, foi o primeiro presidente do Supremo Tribunal dos EUA.
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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intimidados, como estavam, por exemplo, quando a assembleia ateniense votou pela
desastrosa expedição siciliana: “O resultado desse excessivo entusiasmo da maioria era
que os poucos que realmente se opunham à expedição tinham medo de serem
considerados não patriotas se votassem contra ela e, portanto, se mantiveram calados”
(Thucydides, 1951: 425).
Uma influência emocional específica que vicia a democracia, verificada
experimentalmente, é a pressão de grupo para o conformismo
Isso foi notavelmente demonstrado em um famoso experimento do psicólogo
social Solomon Asch. Cada um dos sete a nove sujeitos que participaram do experimento
foi solicitado a comparar uma série de linhas e, em cada caso, identificar as duas linhas
que eram iguais em comprimento. Para cada comparação, era óbvio, de fato
extremamente óbvio, quais linhas combinavam – mas, vez após vez, todos os membros
do grupo davam a mesma resposta errada – exceto o único sujeito que desconhecia o real
propósito do experimento. Nestas circunstâncias, cinquenta e oito por cento dos
participantes do teste mudaram sua resposta para concordar com a maioria unânime.
Mesmo quando os participantes receberam um aliado em mesma condição, treze por cento
dos sujeitos concordaram com o grupo, em vez da evidência percebida por seus sentidos
(Asch, 1952: 458-477). Alguns dos conformados mudaram suas percepções, mas a
maioria deles simplesmente decidiu que o grupo deveria estar certo, não importando o
quão forte fosse a evidência do contrário.
Outra falha inerente à democracia direta, parcialmente (mas não inteiramente) uma
consequência da anterior, é a inconstância da política
Isso realmente cobre dois argumentos relacionados contra a democracia. O que a
assembleia faz em uma reunião pode ser desfeito em uma próxima, seja porque os
cidadãos pensaram uma segunda vez, de maneira sóbria (uma boa razão); ou porque uma
mistura diferente de pessoas aparece (uma razão ruim). Isso aconteceu muitas vezes na
Atenas clássica, a única organização política que já tentou seriamente fazer com que a
democracia direta funcionasse. Por exemplo, a assembleia votou para dar aos mitilênios23
,
23 N.T.: nome dado aos cidadãos da cidade-estado de Mitilene, à época da “democracia” ateniense, cidadãos
estes que “que haviam tentado, sem sucesso, se livrar da hegemonia ateniense, durante a Guerra do
Peloponeso” (“Mytilenian Debate”, 2018, tradução própria).
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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cuja revolta havia sido esmagada, o tratamento Meliano24: morte para todos os homens,
escravidão para as mulheres e crianças. O julgamento foi revertido no dia seguinte, o
segundo navio despachado para Mitilene felizmente chegou primeiro, e assim apenas os
mitilênios, os principais responsáveis – mais de 1000 deles – foram executados (Finley,
1985: 52; Hegel, 1999: 235; Thucydides, 1951: 212–223). Melhor, é claro, reverter uma
má decisão do que cumpri-la; mas as pessoas relutam em admitir publicamente que
estavam erradas.
Já é ruim o suficiente se a composição da assembleia flutue aleatoriamente ou por
causa de fatores politicamente estranhos, já que o clima, por exemplo, influencia os
resultados das eleições estadunidenses no comparecimento dos eleitores (maiores
proporções de democratas acabam com bom tempo) (Hardin, 2003). Mas isto pode muito
bem se transformar em mobilização deliberada por uma facção. Isso também aconteceu
em Atenas. O general Nicias, dirigindo-se à assembleia em oposição à expedição siciliana
proposta, afirmou: “É com verdadeiro alarme que vejo o partido deste jovem [Alcibíades]
sentado ao seu lado nesta assembleia convocada para apoiá-lo, e eu, do meu lado, peço o
apoio dos homens mais velhos entre vocês” (Aristophanes, 1970: 256; Thucydides, 1951:
417, citado). Uma frase do dramaturgo satírico Aristófanes também atestava para
bloquear a votação na assembleia.
Hobbes observou que,
quando os votos são suficientemente próximos para que os derrotados
tenham a esperança de ganhar a maioria em uma reunião subsequente se
alguns homens se aproximarem de seu modo de pensar, seus líderes os
reúnem e fazem uma discussão particular sobre como revogar a medida
que acaba de ser aprovada. Resolvem-se entre si para participar da
próxima reunião em grande número e estar lá primeiro; eles organizam o
que cada um deve dizer e em que ordem, para que a questão possa ser
levantada novamente, e a decisão que foi tomada quando seus oponentes
estavam lá em peso possa ser revertida quando não puderem comparecer
(Hobbes, 1998: 124).
24 N.T.: referência ao Cerco de Melos, ocorrido “em 416 aC durante a Guerra do Peloponeso, uma guerra
travada entre Atenas e Esparta. Melos é uma ilha no Mar Egeu a cerca de 110 km a leste da Grécia
continental. Embora os melianos fossem do mesmo grupo étnico que os espartanos, eles escolheram
permanecer neutros na guerra. Atenas invadiu Melos em 416 aC e exigiu que os melianos se rendessem e
prestassem homenagem a Atenas ou enfrentassem a aniquilação. Os melianos recusaram, e depois de um
cerco os atenienses capturaram sua cidade, massacraram os homens e escravizaram as mulheres e crianças.”
(“Siege of Melos”, 2019, tradução própria).
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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Hobbes descreve exatamente como Samuel Adams25 manipulou outra assembleia,
a assembleia da cidade de Boston, em reuniões privadas prévias de sua facção no Clube
Caucus:
Caucus envolveu a previsão mais ampla de problemas que poderiam
surgir e a escolha mais estreita de resposta a cada possibilidade; quem
falaria sobre qualquer assunto, e o que ele diria; com o consentimento
geral do clube, garantido antecipadamente, tanto para a escolha do
palestrante quanto para qual seria a mensagem do palestrante.
Seu primo John Adams ficou surpreso, depois de muitos anos participando de
reuniões na cidade, para saber disso: “Lá eles bebem flip [um drinque de rum], eu
suponho, e lá eles escolhem um moderador que coloca as perguntas à votação
regularmente, e membros do governo local, assessores, guardas, quartéis de bombeiro e
representantes são regularmente escolhidos antes de serem escolhidos pela cidade”
(Wills, 1978: 20 citado, 23 citando John Adams)26. Exatamente os mesmos métodos de
manipulação eram praticados na assembleia ateniense (Sinclair, 1998: 144–145).
A democracia direta é bem adequada para políticas mecânicas:
A poderosa reunião da cidade [em Boston] nomeou muitos funcionários
municipais, determinou impostos e avaliações e adotou projetos de
serviço público que eram uma rica fonte de empregos e generosidade
econômica. Durante anos, o Caucus original e seus aliados no Merchants
Club haviam atuado como o órgão não oficial de direção da reunião da
cidade, na qual Sam Adams, o líder do Caucus, desempenhou um papel
fundamental (Brown, 1973: 102)
Isso é democracia em ação.
O que Hobbes está falando sobre, como ele prossegue dizendo, é a facção, que ele
define como “um tipo de esforço e trabalho árduo, que eles usam para moldar as pessoas”
(Hobbes, 1998: 124). James Madison reconhecidamente argumentou que a democracia
direta promove o partidarismo (Madison, 1961: 56–57). Mas uma organização de
organizadores de votos serve a um propósito (o seu próprio) em qualquer assembleia ou
legislatura. Os partidos (o eufemismo para “facções”) poderiam desempenhar papéis
25 N.T.: “Samuel Adams (Boston, 27 de setembro de 1722 — Boston, 2 de outubro de 1803) foi um político
dos Estados Unidos, considerado um dos founding fathers de seu país. Foi governador de Massachusetts e
primo de John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos.” (“Samuel Adams”, 2016).
26 Os cidadãos de Boston recriaram a sala cheia de fumaça do Congresso Continental, onde Jefferson notou
que “[Samuel Adams] estava constantemente realizando o Caucus com homens ilustres, entre os quais
estava Richard Henry Lee, no qual a generalidade das medidas perseguidas era previamente determinada,
e em que as partes foram atribuídas aos diferentes atores que posteriormente apareceram neles” (Wills,
1978, p. 25).
[REVISTA ESTUDOS LIBERTÁRIOS (REL), UFRJ, VOL. 1. N º2] 2º semestre de 2019
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centrais em uma democracia direta, talvez papéis maiores do que na democracia
representativa.
Apenas assembleias grandes e regulares minimizariam (não eliminariam) essas
reversões caprichosas ou manipuladas, já que, se a maioria dos cidadãos comparecer a
todas as reuniões, a maioria dos participantes de uma reunião comparecerá a outra. As
possibilidades polares são que todas as mesmas pessoas, ou todas as pessoas diferentes,
assistam à próxima reunião. Se são todas as mesmas pessoas, é uma oligarquia de facto.
Se todas as pessoas são diferentes, é o caos, o único tipo de “anarquia” consistente com a
democracia direta. Geralmente, ele estará mais próximo da oligarquia.
Conclusão
A regra da maioria é tão arbitrária quanto a decisão aleatória, mas não é tão justa
(Wolff, Robert Paul, 1970: 44–45). Para um eleitor, a única diferença entre a loteria e
uma eleição é que ele pode ganhar na loteria27. Melhor a chance pura do que “democracia
pura, ou a autocracia imediata do povo”, como descreveu Joel Barlow (1983, p. 1106).
Um celebrante da democracia direta suíça em seu apogeu admite: “A corrupção, a
faccionação, a arbitrariedade, a violência, o desrespeito à lei e um conservadorismo
obstinado que se opunham a todo progresso social e econômico eram até certo ponto
patologias endêmicas da forma de vida democrática pura” (Barber, 1974: 197).
Democracia, em qualquer forma, é irracional, injusta, ineficiente, caprichosa, divisiva e
humilhante. Suas versões diretas e representativas, como vimos, compartilham muitos
vícios. Nenhuma versão exibe qualquer vantagem clara sobre a outra.
Cada uma também tem vícios peculiares. De fato, os sistemas diferem apenas em
grau. De qualquer forma, a pior tirania é a tirania da maioria, como a maioria dos
anarquistas, e alguns conservadores, e alguns liberais, e até mesmo os democratas mais
honestos, sempre disseram (e.g. Goldman, 1972b: 98)28
.
A democracia é, no entanto, a melhor forma de governo? Mesmo isso não é tão
óbvio, depois de dar uma boa olhada em quão ruim ela é. Sua teoria é redutível a ruínas
27 Assim, “o sufrágio universal é, a meu ver, nada além de uma loteria” (PROUDHON, 1923, p. 141)
28 Ver também Hoffman (1972, p. 187). A expressão é geralmente creditada a Alexis de Tocqueville (1969,
p. 250) e foi popularizada por John Stuart Mill; mas foi usada por, pelo menos, um antifederalista no debate
sobre a Ratificação (N.T.: debate sobre a ratificação ou não da Constituição dos EUA, permeado pela
clivagem entre federalistas e antifederalistas) (WOOD, 1972, p. 484). Certamente a ideia foi difundida na
época e desde então.
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em poucas páginas. Os crentes na democracia afirmam que esta promove o diálogo, mas
onde está o diálogo sobre a própria democracia? Os democratas ignoram seus críticos –
como se a democracia fosse algo dado – então por que se preocupar em defendê-la? Eles
apenas tomam como certo que alguém (Locke? Rousseau? Lincoln? Churchill?) há muito
tempo produziu um sólido argumento em favor da democracia. Ninguém nunca o fez. É
por isso que você não aprendeu na escola. Apenas lhe foi dito no que acreditar. Os
argumentos para a democracia – que muitas vezes não são articulados – são tão falhos e
frágeis, alguns até bastante tolos29, que os devotos democratas podem se assustar (e.g.
Godwin, 1976: 209–253; Sartwell, 2008: 39–96).
Agora, talvez algumas dessas críticas do governo democrático sejam realmente
críticas ao próprio governo. Isso não diminui, mas aumenta a validade das críticas. Isso
significa apenas que a democracia não é tão especial afinal, e que foi descoberta como
algo especial.
VOTE EM NINGUÉM
NINGUÉM DIZ A VERDADE
29 Por exemplo, diz-se que a residência voluntária em um país é um consentimento “tácito” para seu governo
democrático. Ame-o ou deixe-o! Inacreditavelmente, a maioria dos democratas não percebe que, se a
residência voluntária conta como consentimento para ser governado, então ela conta como consentimento
para ser governado por qualquer governo, despótico ou democrático (BRIGHOUSE, 2002, p. 56;
PLAMENATZ, 1979, p. 73-74 e cap. 4). Na antologia Democratic Theory Today, os onze colaboradores –
todos professores universitários – discutem solenemente o republicanismo cívico, a democracia do
desenvolvimento, a democracia deliberativa, a democracia associativa, etc. Nenhum deles faz uma pausa
para justificar a própria democracia.
Abra o link abaixo para saber mais!
https://youtu.be/AXAvRGfq_Ns?si=KJlegKdFw06U_T-n