Publicado em 21/07/2009
Reportagem Carol Bensimon - Edição: Amanda Zacarkim
O filósofo defende os prazeres e questiona aspectos como a monogamia e a existência de Deus
Foto: Reprodução
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Sobram razões para Michel Onfray ser um dos filósofos mais polêmicos - e mais lidos - da França: ele é contra a religião e a ideia de Deus, as instituições de ensino e a formatação de alunos para que sirvam ao mercado de trabalho, o casamento, a monogamia, a procriação. Onfray não teme enfrentar mecanismos sociais já há muito tempo estabelecidos, propondo em sua obra "novas possibilidades de existência". Apoiando-se nos princípios da razão e do hedonismo, ele acredita que devemos buscar constantemente o prazer, a liberdade e a independência, desde que, para isso, não façamos mal ao outro. A busca por essa trajetória individual, na medida de nossos desejos, é a base de toda sua extensa obra: o filósofo francês já publicou mais de 40 livros e fundou, em 2002, a Universidade Popular de Caen, uma universidade gratuita, sem inscrições prévias, sem diplomas, aberta a qualquer interessado. Confira a entrevista com o filósofo.
Uma de suas obras mais importantes e polêmicas é o Tratado de Ateologia, na qual o senhor defende a substituição da religião pela filosofia. Mas, para tirar a religião da vida, é preciso necessariamente substituí-la por algo?
Na verdade, é preciso substituir o placebo, a religião, pelo medicamento, a filosofia. Em outras palavras, trocar as fábulas, as histórias infantis, os mitos, o pensamento mágico, pela sabedoria, pelas Luzes, pela inteligência, pela razão. Se antes ensinava-se como verdade uma Virgem que tem filhos, um Deus que abre o mar para deixar seu povo passar, mortos que ressuscitam, peixes multiplicados ao infinito, água que se transforma em vinho em um passe de mágica, hoje é preciso ensinar a reflexão, a análise, a obrigação de ser coerente, o pensamento racional, sensato e reflexivo. Em resumo: substituir Bento XVI por Voltaire.
Mas qualquer um pode esquecer Deus? Mesmo aqueles que talvez não tenham conhecimento o suficiente para ver o mundo de outra maneira?
Se deixarmos uma criança longe de influências, jamais ela inventará essas bobagens, que são um puro produto da educação. É preciso somente substituir um mundo por outro, uma pedagogia por outra, um saber e seus conteúdos por outros saberes e outros conteúdos.
O senhor acredita que todo pensamento filosófico nasce de um eu, da experiência de um sujeito, e que muitos filósofos erraram ao construírem discursos supostamente desconectados de sua vida pessoal. No seu caso, o abandono que o senhor viveu na infância pode estar na origem de sua recusa pelo modelo familiar judaico-cristão?
Não, eu acredito que o verdadeiro motivo da minha recusa por esse modelo é libertário. Um filho condena os pais a perderem a própria liberdade, pois eles devem tudo à criança: presença, atenção, cuidados, disponibilidade, garantia de um lar estável, etc. Ora, eu gosto demais das crianças para correr o risco de me engajar em uma educação que é, de qualquer maneira, uma empreitada acima das forças humanas!
O número crescente de divórcios, separações dolorosas, violência conjugal e casamentos sucessivos mostra que a possibilidade de realização dentro de uma relação monogâmica é cada vez menor? Ou isso tudo indica justamente que continuamos desejando o mesmo tipo de vida que nossos antepassados?
O problema é que não se imagina - ou muito raramente - o casal fora do casamento, da fidelidade, da monogamia, da coabitação, da procriação. O modelo dominante segue uma lógica consumista: ter, possuir, colecionar, gastar, descartar após o uso. Ele não leva à construção de uma história, mas à justaposição de histórias, que têm uma certa data de validade, e certos fatos funcionam como limites imediatos e definitivos: o adultério, por exemplo. É preciso inventar novas possibilidades de existência, inclusive e sobretudo no que diz respeito ao casal, à vida a dois. Construir para si no campo amoroso, e em todos os outros, uma vida sob medida.
É comum que se associe o prazer à juventude, como se o prazer tivesse uma data de validade: em certa altura da vida, seria preciso renunciar a ele, em nome de uma existência mais regrada, estável, sem percalços, e que geralmente está relacionada a um emprego fixo, casamento, filhos, etc. Como sua filosofia hedonista vê isso?
Desejar o prazer é o que define o ser humano, do ventre materno ao último suspiro. Não há idade para ser hedonista, ou para não deixar de sê-lo. Os prazeres são diversos e múltiplos. Existem prazeres relacionados à idade, é claro: a enologia não diz respeito às crianças de cinco anos, nem a gastronomia, e a velhice tem suas próprias alegrias. Mas, de qualquer maneira, é preciso responder ao prazer não pela recusa, mas por sua realização, qualquer que seja a idade.
O senhor criou a Universidade Popular de Caen em 2002, após demitir-se do sistema de ensino francês. O que o incomoda no ensino tradicional, e que o senhor decidiu fazer diferente em sua universidade?
O que me incomodava? A instituição, a polícia acadêmica, administrativa, a burocracia, o adestramento no lugar da educação, a disciplina no lugar da instrução, a formatação intelectual e ideológica de clones destinados a servir ao mercado, o conteúdo pobre, o corpo docente triste, o desprezo dos alunos, a "militarização" dos estabelecimentos, a sede de poder dos pequenos chefes, etc. A Universidade Popular de Caen é gratuita, sem obrigação de títulos, sem diplomas, sem visar o lucro, ela é livre, organizada em torno do saber existencial, pessoal
Uma de suas obras mais importantes e polêmicas é o Tratado de Ateologia, na qual o senhor defende a substituição da religião pela filosofia. Mas, para tirar a religião da vida, é preciso necessariamente substituí-la por algo?
Na verdade, é preciso substituir o placebo, a religião, pelo medicamento, a filosofia. Em outras palavras, trocar as fábulas, as histórias infantis, os mitos, o pensamento mágico, pela sabedoria, pelas Luzes, pela inteligência, pela razão. Se antes ensinava-se como verdade uma Virgem que tem filhos, um Deus que abre o mar para deixar seu povo passar, mortos que ressuscitam, peixes multiplicados ao infinito, água que se transforma em vinho em um passe de mágica, hoje é preciso ensinar a reflexão, a análise, a obrigação de ser coerente, o pensamento racional, sensato e reflexivo. Em resumo: substituir Bento XVI por Voltaire.
Mas qualquer um pode esquecer Deus? Mesmo aqueles que talvez não tenham conhecimento o suficiente para ver o mundo de outra maneira?
Se deixarmos uma criança longe de influências, jamais ela inventará essas bobagens, que são um puro produto da educação. É preciso somente substituir um mundo por outro, uma pedagogia por outra, um saber e seus conteúdos por outros saberes e outros conteúdos.
O senhor acredita que todo pensamento filosófico nasce de um eu, da experiência de um sujeito, e que muitos filósofos erraram ao construírem discursos supostamente desconectados de sua vida pessoal. No seu caso, o abandono que o senhor viveu na infância pode estar na origem de sua recusa pelo modelo familiar judaico-cristão?
Não, eu acredito que o verdadeiro motivo da minha recusa por esse modelo é libertário. Um filho condena os pais a perderem a própria liberdade, pois eles devem tudo à criança: presença, atenção, cuidados, disponibilidade, garantia de um lar estável, etc. Ora, eu gosto demais das crianças para correr o risco de me engajar em uma educação que é, de qualquer maneira, uma empreitada acima das forças humanas!
O número crescente de divórcios, separações dolorosas, violência conjugal e casamentos sucessivos mostra que a possibilidade de realização dentro de uma relação monogâmica é cada vez menor? Ou isso tudo indica justamente que continuamos desejando o mesmo tipo de vida que nossos antepassados?
O problema é que não se imagina - ou muito raramente - o casal fora do casamento, da fidelidade, da monogamia, da coabitação, da procriação. O modelo dominante segue uma lógica consumista: ter, possuir, colecionar, gastar, descartar após o uso. Ele não leva à construção de uma história, mas à justaposição de histórias, que têm uma certa data de validade, e certos fatos funcionam como limites imediatos e definitivos: o adultério, por exemplo. É preciso inventar novas possibilidades de existência, inclusive e sobretudo no que diz respeito ao casal, à vida a dois. Construir para si no campo amoroso, e em todos os outros, uma vida sob medida.
É comum que se associe o prazer à juventude, como se o prazer tivesse uma data de validade: em certa altura da vida, seria preciso renunciar a ele, em nome de uma existência mais regrada, estável, sem percalços, e que geralmente está relacionada a um emprego fixo, casamento, filhos, etc. Como sua filosofia hedonista vê isso?
Desejar o prazer é o que define o ser humano, do ventre materno ao último suspiro. Não há idade para ser hedonista, ou para não deixar de sê-lo. Os prazeres são diversos e múltiplos. Existem prazeres relacionados à idade, é claro: a enologia não diz respeito às crianças de cinco anos, nem a gastronomia, e a velhice tem suas próprias alegrias. Mas, de qualquer maneira, é preciso responder ao prazer não pela recusa, mas por sua realização, qualquer que seja a idade.
O senhor criou a Universidade Popular de Caen em 2002, após demitir-se do sistema de ensino francês. O que o incomoda no ensino tradicional, e que o senhor decidiu fazer diferente em sua universidade?
O que me incomodava? A instituição, a polícia acadêmica, administrativa, a burocracia, o adestramento no lugar da educação, a disciplina no lugar da instrução, a formatação intelectual e ideológica de clones destinados a servir ao mercado, o conteúdo pobre, o corpo docente triste, o desprezo dos alunos, a "militarização" dos estabelecimentos, a sede de poder dos pequenos chefes, etc. A Universidade Popular de Caen é gratuita, sem obrigação de títulos, sem diplomas, sem visar o lucro, ela é livre, organizada em torno do saber existencial, pessoal
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