IELA. INSTITUTO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS
Universidade Federal de Santa Catarina
A AUTODESTRUIÇÃO DA ESQUERDA CONTAMINADA PELO LULISMO
Por IELA em 21 de maio de 2018
Influenciados pelas artimanhas do lulismo, vários segmentos da esquerda perderam, nos últimos anos, a própria capacidade de leitura crítica da realidade, abriram mão da independência política e embarcaram em processo suicida cada vez mais distanciado das classes trabalhadoras, do povo, da sociedade e do potencial de militância de esquerda latente na juventude brasileira. O mergulho equivocado no discurso fantasioso da direção petista fragilizou projetos autônomos e diferenciados de afirmação da esquerda partidária e social e conduziu boa parte desse campo político-ideológico a uma situação de subordinação cega a agrupamento que beira o messianismo. Como é possível que parcela da esquerda tenha perdido o fio condutor da racionalidade e da história?
Sem desprezar o mérito de análises mais amplas e detalhadas da conjuntura econômica mundial, da crise do modelo neoliberal e das inúmeras mutações do capitalismo no jogo internacional, que está a exigir, permanentemente, apuradas e eficientes estratégias na luta de classes, interessa concentrar a presente avaliação nos marcos da luta política no interior do Estado-Nação, aos acontecimentos locais que estão mudando a face do Brasil no decorrer desse início de século 21, entre os quais importa destacar:
1 – A eleição de Lula em 2002 com empresário como vice e a Carta ao Povo Brasileiro
Após ser derrotado em três disputas eleitorais para a presidência da República (1989, 94 e 98), Lula enfrentou a campanha de 2002 com várias mudanças significativas, desde a aliança com partidos tradicionais da direita, a inclusão de grande empresário mineiro (José Alencar) na chapa, o discurso do “Lulinha Paz e Amor” para agradar as classes médias, o apoio de oligarquias do Nordeste e de parcela da elite industrial paulista e, claro, a surpreendente Carta ao Povo Brasileiro, elaborada com aval da Odebrecht, família Marinho e banqueiros, selando o compromisso do lulismo com o modelo neoliberal e o jogo do mercado.
Era tudo o que os bancos e setores rentistas queriam. Evidentemente, o Lula de 2002 não tinha mais nada a ver com o Lula de 1989, o lulismo já tinha o controle quase absoluto do partido e várias correntes e militantes de esquerda já haviam sido empurrados para fora do PT. É o caso dos petistas que constituíram o PSTU, o PCO e outras organizações.
Opção: O papel da esquerda era ganhar a eleição a qualquer preço ou continuar defendendo suas propostas até conquistar a população e acumular forças para realizar mudanças estruturais no país?
2 – O escandaloso esquema do “mensalão” com compra de votos no Congresso Nacional
O primeiro governo Lula, considerado “em disputa” por vários analistas no campo da esquerda, rapidamente trilhou o caminho do oportunismo e do fisiologismo : decidiu fazer reforma da previdência contra os interesses dos trabalhadores, o que provocou a expulsão de parlamentares fiéis ao programa partidário, os quais caminharam para a construção do PSOL; abandonou a proposta original do programa Fome Zero, que previa a adoção de reformas estruturais, para lançar o programa Bolsa Família, tipicamente assistencialista e que até hoje não livrou importante parcela da população da reiterada exclusão econômica e social; descartou o projeto de reforma agrária coordenado por Plínio de Arruda Sampaio, que previa o assentamento de 1 milhão de famílias e mudanças profundas na estrutura fundiária do país, para aderir ao projeto do agronegócio, que gera violência no campo, concentra a terra e é profundamente danoso ao meio ambiente. Vale lembrar que o número de assentamentos no governo Lula ficou abaixo do que foi realizado no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso e que o MST manteve a combatividade durante a maior parte do governo Lula e foi tratado friamente como movimento de oposição.
Além disso, o lulismo enfiou-se na lama com desvios de recursos públicos e captação de propinas para comprar parlamentares no Congresso Nacional, notadamente do PTB de Roberto Jefferson, do PP de Paulo Maluf e do PR de Waldemar Costa Neto, entre outros. O escândalo do “mensalão” abalou o governo Lula, que jogou toda a encrenca nas costas de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Embora seja difícil de acreditar que o “dono” do partido e presidente da República não tivesse conhecimento do esquema, o fato é que setores da burguesia, da grande imprensa, da indústria e do sistema financeiro decidiram preservar Lula como a solução “menos pior” naquele momento, o que o deixou o lulismo mais enredado com os grupos econômicos e políticos tradicionais. Ganhou a eleição de 2006 com arco mais amplo de alianças à direita.
Opção: O papel da esquerda era insistir no projeto de conciliação proposto pelo lulismo ou construir oposição séria e firme ao neoliberalismo, às velhas oligarquias e ao conservadorismo de direita?
3 – O sucesso popular das medidas sociais efêmeras do governo petista
O governo Lula aproveitou a maré econômica favorável com crescimento puxado pela China, expansão do mercado internacional de commodities e razoável equilíbrio fiscal para adotar medidas de grande significado popular, como o reajuste do salário mínimo acima da inflação e a massificação do programa Bolsa Família, que foram responsáveis pelo aumento do poder aquisitivo na base da pirâmide social e grande expansão do consumo, também estimulado por crédito farto oferecido por agentes financeiros públicos e privados a juros extorsivos.
Os investimentos em obras de infraestrutura, repasses de recursos públicos para os sistemas de saúde e de educação privados (ProUni e FIES nas universidades particulares), isenções fiscais e desonerações de vários setores industriais – foram medidas que contribuíram transitoriamente para diminuir a miséria, a desnutrição e também criar expectativa favorável ao início de nova era de bem-estar no país. Lula surfou na onda do “ganha-ganha” (ganham os pobres e ganham os ricos), quando boa parte da sociedade embarcou na ilusão de um mundo sem perdas, com superação dos conflitos sociais, a domesticação dos sindicatos e o isolamento de movimentos populares mais combativos.
Lula terminou o segundo mandato com índice de aprovação de 83%, elegeu seu “poste” Dilma Rousseff em 2010, impôs o vice Michel Temer (MDB) na chapa presidencial e deixou o governo fortalecido por amplo leque de partidos tradicionais, fisiológicos e de direita, desde o PP de Maluf, o PRB da Igreja Universal, o MDB de José Sarney, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Sérgio Cabral, e mais uma dúzia de legendas de aluguel. Vale lembrar que o esquema de propinas via diretorias da Petrobras já estava funcionando a todo vapor, abastecendo políticos e os caixas de pelo menos três partidos: PP, MDB e PT.
Opção: O papel da esquerda era silenciar e ficar conivente com a euforia temporária de inclusão sem consistência ou adotar postura crítica contra a ilusória redução das desigualdades?
4 – A gestão Dilma Rousseff e a explosão de insatisfação geral de junho de 2013.
O sonho de um Brasil próspero, de bem-estar generalizado com renda alta, empregabilidade e paz social, acabou nos primeiros anos do governo Dilma. Primeiro porque a economia mundial patinou na estagnação ainda decorrente da crise de 2008, a China reduziu o ritmo de crescimento e as commodities nacionais perderam espaço no mercado global. Os capitais trataram de buscar portos mais seguros. Segundo porque, de um lado a política de “desonerações” desencadeou enorme queda da arrecadação federal, nos estados e municípios, com aumento da desordem fiscal, inadimplência e quebradeira; e, de outro lado, porque o caixa do BNDES, que durante anos foi usado para alavancar alguns poucos e seletos grupos privados (entre os quais as chamadas “empresas campeãs” da JBS e de Eike Batista), perdeu a capacidade de fomentar a economia via Estado, depois de ter queimado investimentos em projetos questionáveis para o desenvolvimento nacional, como o financiamento da compra de frigoríficos nos Estados Unidos (JBS), obras de estradas, portos e aeroportos em países da América Latina e da África (Odebrecht, OAS, Camargo Correa etc.), os quais não renderam empregos no Brasil e ainda estão com dívidas junto ao BNDES e ao tesouro nacional.
Foi quando começou o tiroteio generalizado para ver quem iria pagar pela crise. Só mesmo o séquito de Brasília não percebeu as consequências negativas de tais políticas governamentais para a queda do padrão de vida das pessoas e o aumento acelerado do descontentamento. No final de 2012 e início de 2013 já se percebia, nos grandes centros urbanos do país, os primeiros ensaios das grandes manifestações que ocorreram em junho de 2013 – quando, ficou claro e patente, que a política de conciliação promovida pelo lulismo estava com os dias contados, que a explosão de insatisfação revogava o monopólio do PT sobre as manifestações de rua e, mais do que isso, que o modelo adotado pelo lulismo gerou enorme frustração não apenas nas classes médias, mas também na juventude, no operariado e em segmentos populares.
Vale lembrar que nesse período, de 2011 a 2013, o ex-presidente estava empenhado em viagens pela América Latina e países da África, nos jatinhos da Odebrecht e Camargo Corrêa (os registros da Infraero, depoimentos de pilotos das aeronaves e de diretores das empreiteiras podem atestar todos os voos e destinos), fazendo lobby para obras financiadas pelo BNDES, enquanto recebia vultosas doações para o Instituto Lula e pagamentos para a empresa de palestras LILS , além de curtir merecido descanso no sítio de Atibaia.
Sobre a efervescência política e o quadro de crise, o governo Dilma tratou de enrolar o país com promessas evasivas e medidas jamais colocadas em prática, entre as quais a realização de suposto plebiscito para a reforma política. O PT, através de seus movimentos sociais, conseguiu conter parte da rebeldia. A esquerda não soube dar direção ao movimento das ruas, a grande imprensa criminalizou/fantasiou os Black Blocs e o governo Dilma retomou a frágil governabilidade com inúmeras concessões – ao empresariado (mais isenções fiscais), aos banqueiros (elevação dos juros), ao agronegócio (anistia e refinanciamento de dívidas) e aos políticos (benesses nas emendas de deputados e senadores) – até as eleições de 2014.
O lulismo tratou de caracterizar as manifestações de 2013 como “coisa da direita”, estimulada pela grande mídia e pelo “imperialismo”. É o que Lula afirma até hoje sobre as jornadas de 2013.
Opção: O papel da esquerda era desconsiderar o grau de insatisfação da população, inclusive das classes médias, ou aprofundar a crítica ao lulismo e ao governo Dilma com ampliação e organização dos trabalhadores e dos movimentos sociais?
5 – A fraude eleitoral de 2014 e a rendição ao ajuste neoliberal
A eleição de 2014 foi, provavelmente, a mais suja do período pós-ditadura militar. Não só pela quantidade de dinheiro colocada nas campanhas dos principais candidatos, mas pelo baixo nível dos ataques pessoais nas redes sociais, a montagem de agências de mentiras e intrigas e a ausência de debate sobre os reais problemas do país. O que vigorou foi um jogo sórdido de armações sem precedentes. Os eleitores foram enganados em todos os sentidos, tanto no discurso da situação (Dilma negava qualquer problema econômico e social) como no discurso da oposição (Aécio negava qualquer medida restritiva contra projetos sociais). As campanhas mais honestas de Marina Silva, então no PSB, e de Luciana Genro, do PSOL, não chegaram ao segundo turno. Dilma foi eleita com apoio de apenas 38% do eleitorado, a maioria ficou na oposição, no voto em branco, no voto nulo e na abstenção.
A fraude foi consumada nas primeiras semanas após o segundo turno, quando a presidente reeleita interferiu no câmbio, aprovou os cortes de benefícios sociais e colocou no Ministério da Fazenda o vice-diretor do Bradesco, Joaquim Levy, conhecido economista neoliberal e defensor de medidas ortodoxas de austeridade. Ou seja, Dilma ganhou com discurso contrário ao de Aécio, mas logo depois das eleições assumiu o programa de Aécio, fortemente bombardeado pela esquerda no processo eleitoral. Em pouco tempo, no final de 2014 e primeiros meses de 2015, a base de sustentação de Dilma (38% do eleitorado) ficou reduzida a pó.
A situação dela se complicou ainda mais porque tentou assumir o controle da Câmara dos Deputados com candidato do PT contra a articulação do MDB, que tinha maior número de parlamentares e amplo apoio no leque partidário mais conservador, o qual, diga-se de passagem, foi eleito em aliança com o PT e com recursos financeiros captados ilicitamente nos governos do PT.
Vale lembrar que no processo eleitoral o PT deu muita força à Rede Record, da Igreja Universal, e a vários grupos evangélicos extremamente conservadores, como contraponto às correntes influenciadas pela Teologia da Libertação mais críticas e identificadas com os movimentos sociais e partidos de esquerda. Ou seja, o lulismo construiu a sua própria forca na traição aos eleitores, com a mudança radical de programa econômico e no racha com a articulação do aliado Eduardo Cunha, do MDB. Mais uma vez, vale lembrar, foi Lula quem impôs o nome de Michel Temer para compor a chapa com Dilma.
Todos eles, na comemoração eleitoral de 2014, estavam felizes com a continuidade de um esquema bem sucedido desde os idos do “mensalão”. Vale lembrar, também, que o bispo Edir Macedo foi o único “capo” da grande mídia a comparecer ao beija-mão de Dilma no dia 1º de janeiro de 2015. Parece fácil e cômodo dizer que as manifestações pelo impeachment eram coisa de “coxinhas” da classe média, da direita, fomentada pela TV Globo, pela FIESP e pelo imperialismo dos Estados Unidos.
Pode ter tudo isso mesmo, mas bem antes disso algo já estava errado não no campo conservador e de direita, mas especialmente na conduta política e ética do lulismo e no fracasso das políticas sociais precárias, no fim do projeto de conciliação e na incompetência política e econômica dos governos Dilma. Não é por acaso que em tais governos tenham crescido a direita e o conservadorismo, e que nesses governos tiveram destaques figuras como José Sarney, Edison Lobão, Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima etc.
Opção: O papel da esquerda era incorporar o discurso vitimista do lulismo contra o racha da aliança PT-PMDB ou denunciar o caráter fisiológico e conservador da aliança que governou o Brasil durante 13 anos?
Em meio ao desgaste e esgotamento do projeto de poder do lulismo, dessa vez, ao contrário do que tinha ocorrido em operações anteriores em casos escabrosos de corrupção (Banestado – 2003; Satiagraha – 2008; Castelo de Areia – 2009), a nova força-tarefa (integrada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal, Judiciário Federal, Receita Federal) teve o cuidado de dar cada passo nos limites dos novos recursos legais disponíveis e com ampla exposição na mídia, de maneira a evitar que tais ações fossem invalidadas ou arquivadas nas instâncias superiores.
O grande avanço em relação às operações anteriores é que uma lei de 2013, sancionada pela presidente Dilma, possibilitou a utilização de colaborações (delações) premiadas como forma de negociar benefícios aos criminosos confessos que revelassem os crimes de outros participantes nos esquemas de corrupção.
O lulismo tratou de espalhar a versão de perseguição política ao governo Dilma e ao PT. Mais adiante ampliou a versão de perseguição ao Lula, tornado candidato do PT, e aos políticos em geral. Mas, na verdade, Lula jamais deram respostas minimamente convincentes aos crimes denunciados. Que a direita pratique corrupção é a praxe no Brasil, mas que o PT tenha se envolvido foi algo muito mais danoso ao processo político, na medida em que frustrou a esperança de milhões de trabalhadores e destruiu a credibilidade pública de vários segmentos da sociedade.
Em 2015, com as grandes manifestações contra o governo Dilma, com foco no impeachment da presidente reeleita, o PT conseguiu arrastar alguns setores da esquerda (partidos, movimentos sociais, entidades de classe etc.) na defesa do seu projeto contra o ataque de instituições da República e do conservadorismo de direita. No final do ano o lulismo sentiu o estrago provocado por seus próprios erros, em especial sobre a aliança com o MDB de Eduardo Cunha e de Michel Temer. O primeiro porque comandou o processo de impeachment na Câmara dos Deputados e o segundo porque traiu a coligação, a presidente Dilma, o PT e principalmente o lulismo, que havia colocado Michel Temer na linha da sucessão presidencial.
Ao sentir a barra pesada, o desastre acelerado em 2016 e 2017, o lulismo criou nova história para a sua própria trajetória:
1º) diante do impeachment, apelou para partidos e movimentos de esquerda, que há muito tempo não tinham relações com o lulismo, em busca de unidade emergencial sob a alegação de que todos estavam ameaçados pelos “golpistas” e “fascistas”;
2º) diante da iminência de Lula se tornar inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa, e da própria prisão do ex-presidente, o lulismo tratou de sensibilizar a sua militância e outros setores da sociedade com foco nas eleições (Eleição sem Lula é fraude), na democracia (Direito de Lula ser candidato) e na liberdade (Lula livre), de maneira que os erros do lulismo, o fracassado governo Dilma, os escândalos da Petrobras, os processos e condenações por corrupção, caíssem rapidamente no esquecimento da população.
3°)Com um batalhão de advogados e fortíssimo esquema de comunicação nas redes sociais, o lulismo tratou de atacar. Tais ações visam principalmente desqualificar todas as forças políticas que se opõem ao lulismo, ao PT e às manobras de impunidade pelos crimes de corrupção; tratam de rotular e estigmatizar todo mundo como sendo “golpista” e “fascista”. Não é só a direita que critica o lulismo e o PT, mas também os liberais, os socialdemocratas, os anarquistas, os autonomistas, pessoas sem definição político-ideológica e muita gente da esquerda socialista e comunista.
Ao mesmo tempo em que consegue sensibilizar com discursos cada vez mais emocionais e messiânicos, o lulismo também estimula forte oposição ao PT e a seus novos e velhos aliados, contribui para a radicalização das posições e embaralha um processo eleitoral que poderia (poderia?) ter conteúdo renovador e promissor para a esquerda se não fosse a figura emblemática de Lula, que está preso, condenado, inelegível, mas ainda assim interfere no processo eleitoral não para liderar um projeto de Nação, mas para tentar salvar a própria pele; não para superar todo o estrago feito por seu aliado Michel Temer, mas para restaurar a velha ordem de alianças com as oligarquias políticas que participaram dos governos Lula e Dilma.
O que o lulismo propõe que não seja restabelecer a “harmoniosa conciliação” de antes da Lava Jato e da traição de Cunha e Temer?
Opção: O papel da esquerda é reforçar o lulismo como salvação do Brasil ou retomar o debate de luta anticapitalista e de sociedade justa, igualitária, livre e democrática?
4 – A fase mística do lulismo aprisiona a esquerda no processo eleitoral de 2018
Depois do fracassado projeto de conciliação de classes, da explosão de insatisfação da população, do impeachment de Dilma, do envolvimento da cúpula do lulismo – junto com seus aliados da direita – nas bandalheiras da Petrobras, BNDES, CEF, fundos de pensão etc., era de se esperar que o PT fizesse um processo de autocrítica, avaliasse seus erros e desvios e promovesse uma renovação geral de seu programa e de seus quadros dirigentes. Nada disso foi feito. Ao contrário, subordinado ao lulismo, o PT insiste que foi vítima de golpe, é vítima de perseguição, é vítima do fascismo – e se contrapõe a tudo isso com o martírio em praça pública de sua maior liderança, que não seria mais um ser humano, mas um mito no patamar de Tiradentes, Mandela, Gandhi, Luther King e Jesus Cristo.
A derradeira exortação de messianismo ativa o emocional das massas, clama pelo fanatismo, abandona em definitivo qualquer expectativa de projeto político construído coletivamente com a elevação das consciências, análise crítica e dialética, baseada na correlação de forças e na conjuntura; mas, ao contrário, o discurso do lulismo se atém na profissão de fé contra todas as evidências da realidade. Como tal fanfarronice mesclada na mística religiosa e dosada pelo egocentrismo pode contribuir para a caminhada da esquerda? O que pretende? Que a salvação virá pelo sacrifício humano transposto à condição divina? O que sobra de reflexão e de proposta política a esses setores da esquerda que ficaram atolados nos escombros do lulismo? Como sair da arapuca para retomar ao Projeto de Nação? Com quais princípios e valores a esquerda se apresenta para a sociedade brasileira?
A essa altura dos acontecimentos, com todas as informações disponíveis, parece sem sentido que algum cidadão ou cidadã ainda consiga aceitar que o ex-presidente Lula e seu grupo dentro do PT não tenham responsabilidades sobre os inúmeros erros políticos e gravíssimos desvios éticos praticados pelo lulismo. Querer inverter os fatos e esconder a verdade é manobra que atenta contra a inteligência dos brasileiros.
Ninguém com alguma dose de sensatez, conhecimento e consciência aceita mais o cinismo desenfreado e egocêntrico do lulismo, que jogou o PT numa arapuca desastrosa (vide eleições de 2016), tenta imobilizar o jogo político-eleitoral de 2018 e ainda quer arrastar toda a esquerda – movimentos sociais e partidos – para a marcha delirante da autodestruição. O que sobrará além da ladainha dos beatos?
Opção: o papel da esquerda é fazer coro ao lulismo durante o processo eleitoral ou disputar as eleições com propostas próprias e independentes, expondo visão crítica sobre o lulismo e a direita?
9 – O que não dá para esquecer sobre a trajetória do lulismo
O lulismo entregou para a direita, seguidamente, várias bandeiras que já foram empunhadas pela esquerda, entre as quais a bandeira da ética na política, a bandeira do combate à corrupção e a bandeira da luta contra a impunidade – em particular a impunidade aos ricos e poderosos praticantes dos crimes do colarinho branco, como a sonegação fiscal, evasão de divisas, desvio do dinheiro público e as várias formas da corrupção. E como o lulismo deixou de atuar nessas questões, transferiu para o conjunto da esquerda a visão equivocada de que lutar por ética, contra a corrupção e a impunidade é coisa da direita, de “coxinhas” e da elite. Por isso mesmo tanta gente comprometida politicamente com a esquerda não se manifesta contra as bandalheiras comprovadamente praticadas pelo lulismo. Temem ser chamados de “golpistas”.
A verdade é que o lulismo em nada contribui para o avanço da esquerda. Ao contrário, só atrapalha. A esquerda patina há muitos anos por obra da contaminação do lulismo, que empata a luta, impede o livre debate e anula o surgimento de novos protagonistas e novas lideranças. Não se trata de uma questão de fé, mas de racionalidade e consciência das pessoas. Em entrevista recente para a Folha de S. Paulo, em 02/05/2018, o pensador de esquerda Noam Chomsky voltou a lembrar o que nos incomoda há vários anos. Disse ele: “a esquerda deveria fazer uma autocrítica, pensar nas oportunidades que foram desperdiçadas porque sucumbiu à corrupção”.
Enquanto isso não acontece, vale recordar o que não pode ser esquecido sobre o lulismo:
1) Desde a campanha eleitoral de 2002, e nas disputas municipais e estaduais, o lulismo sempre optou em alianças com a direita e pelo isolamento da esquerda. 2) O lulismo combateu e expulsou as correntes de esquerda do PT, além de ter atuado para enfraquecer os movimentos sociais e o sindicalismo combativo em seus governos. 3) Os governos Lula e Dilma abandonaram os programas de reforma agrária e fortaleceram muito mais o agronegócio do que a agricultura familiar. 4) Os governos Lula e Dilma não demarcaram as reservas dos povos indígenas e deixaram de regularizar milhares de áreas dos quilombolas . 5) Os governos Lula e Dilma aprovaram inúmeras obras altamente danosas ao meio ambiente, inclusive as centrais hidro-eléctricas de Belo Monte e no rio Madeira. 6) Os governos Lula e Dilma mantiveram as taxas de juros sempre acima de 7,5% e cortaram verbas sociais para pagamento da dívida pública aos banqueiros e rentistas. 7) Os governos Lula e Dilma promoveram ampla “desoneração” (isenção de impostos) dos grandes grupos empresariais com enorme desfalque aos cofres públicos. 8) Os governos Lula e Dilma fizeram reforma da previdência danosa aos trabalhadores e cortaram benefícios sociais (auxílio saúde, salário desemprego etc.) dos mais pobres. 9) Os governos Lula e Dilma não reajustaram no mesmo nível da inflação as faixas de pagamento do imposto de renda [NR] , o que retirou recursos dos trabalhadores e dos assalariados em geral. 10) Os governos Lula e Dilma usaram milhares de milhões de recursos públicos do BNDES para financiar obras em outros países, que favoreceram as grandes empreiteiras e deixaram de gerar empregos no Brasil.
[NR] Imposto sobre o rendimento. No Brasil chamam de “renda” a quaisquer rendimentos, não apenas os dos rentistas.
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