Frase de Monteiro Lobato, que nunca esteve tão atual como está agora.
Literalmente, Monteiro Lobato falava de um país rural corroído por uma praga real: as saúvas, que devastavam plantações enquanto o Estado era omisso, atrasado e ineficiente. Não era apenas um problema agrícola — era a imagem de uma nação incapaz de proteger a própria base material da sobrevivência.
Simbolicamente, as saúvas representam tudo aquilo que corrói o Brasil por dentro: clientelismo, ignorância institucionalizada, burocracias parasitárias, elites extrativistas, corrupção estrutural e uma cultura política que se alimenta do atraso. Não são insetos — são sistemas, hábitos, castas.
Ideologicamente, a frase expressa o pensamento modernizador do início do século XX: ou o país enfrenta seus problemas com ciência, política pública e ação coletiva, ou será devorado por eles. Mas aqui surge a contradição central: historicamente, o combate às “saúvas” no Brasil quase sempre serviu de pretexto para autoritarismo, repressão e concentração de poder. Em nome do “progresso”, esmagaram-se pessoas, comunidades e dissidências — confundiu-se praga com povo.
Hoje, a metáfora é ainda mais brutal. As saúvas modernas usam terno, farda, púlpito, toga e algoritmo. Elas consomem orçamento, direitos, futuro e imaginação. Alimentam-se do medo, da polarização e da mentira organizada. E sempre oferecem a mesma chantagem: ou obedecemos à ordem deles, ou o país acaba.
É aqui que a frase se inverte.
O verdadeiro dilema contemporâneo não é mais “autoritarismo ou progresso”, mas progresso para quem, imposto por quem e a que custo. Porque todo projeto que promete salvar o Brasil eliminando a crítica, a autonomia e a pluralidade não combate saúvas — cria colônias ainda maiores.
A resposta não é trocar uma praga por outra, nem aceitar salvadores de pátria com veneno forte demais. O manifesto é claro:
o Brasil não acaba com suas saúvas fortalecendo o formigueiro do poder.
Acaba desmontando as estruturas que permitem que elas existam.
Se o Brasil acabar, não será por falta de ordem.
Será por excesso dela — uma ordem que protege saúvas e chama isso de progresso.